(publicado em maio.2005)
1 A obrigação alimentar e seu fundamento ético. 2 Avaliação do binômio alimentar. 3 Limite etário para que os filhos façam jus à verba alimentar. 4 Disponibilidade do direito alimentar entre cônjuges. 5 Transmissibilidade da obrigação. 6 Culpa pela situação de necessidade. 7 Alimentos naturais ao cônjuge culpado. 8 Alimentos entre companheiros e a culpa. 9 O procedimento indigno do credor como causa extintiva da obrigação. 10 O concubinato do credor como causa extintiva da obrigação. 11 Conclusões. 12 Referências.
1 A obrigação alimentar e seu fundamento ético
A Constituição Federal, no inc. I do art. 3º, alinha entre os objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Na base dessa sociedade, encontra-se a célula familiar, merecedora da proteção do Estado, na dicção do art. 226 do Estatuto Maior.
Como elemento congregador e estruturador da família está o princípio da solidariedade, que confere identidade ao conjunto de pessoas que a compõem, distinguindo-a de um mero agregado de individualidades.
Enquanto a comunidade familiar está unida, a solidariedade entre seus membros manifesta-se no dever de mútua assistência entre cônjuges (art. 1.566, III, CCB) e companheiros (art. 1.724, CCB) – tradicionalmente visto tanto no plano material como moral –, e no dever de sustento e assistência que ambos os genitores têm em relação à prole (art. 1.566, IV, e 1.724, CCB).
No momento, porém, em que se dá o rompimento da vida em comum, o princípio da solidariedade se torna concreto por meio da obrigação alimentar, consagrada no art. 1.694 do CCB como extensiva aos parentes, cônjuges e companheiros.
Em sentido jurídico, alimentos consiste em uma prestação em favor de alguém que necessita, paga por quem tem possibilidade para tanto, desde que entre ambos exista um vínculo jurídico que enseje o surgimento da obrigação. Objetiva a satisfação das necessidades vitais de quem, por alguma circunstância, não está em condições de prover o próprio sustento. Costuma-se, por isso, afirmar que a verba alimentar destina-se a atender à necessidade (ad necessitatem), não à mera conveniência (ad utilitatem) ou ao supérfluo (ad voluptatem), embora tal vetusta restrição não seja plenamente acolhida em nosso ordenamento atual, como se vê ao exame do art. 1.694 do Código Civil.
Os alimentos têm, portanto, como finalidade última a preservação do valor mais caro à pessoa humana: a vida. Daí decorre a profundo enraizamento ético que está na base dessa temática, pois, como pontifica Miguel Reale[1], invocando a lição de Max Scheler, “toda e qualquer atividade humana, enquanto intencionalmente dirigida à realização de um valor, deve ser considerada conduta ética.”
Nos conflitos que envolvem a relação jurídica alimentar sobressaem os aspectos éticos das relações familiares, pois esse lócus é palco de opções que envolvem sempre uma apreciação valorativa que, em última instância, tem como pano de fundo o valor vida.
O atual Código Civil, na palavra de seu principal mentor, é informado, entre outros, pelo princípio da eticidade, que permeia todos os espaços. Especificamente quanto aos alimentos, assim se manifesta o Professor Miguel Reale: “É em função dos princípios de socialidade e eticidade que se passou a regular, com novo espírito, a questão de alimentos no seio das entidades familiares.”[2]
Este trabalho se propõe a examinar criticamente as soluções que a jurisprudência tem apresentado aos mais problemáticos aspectos desses conflitos, na ótica da recente codificação civil.
2 Avaliação do binômio alimentar
Sabidamente, três são os pressupostos da obrigação alimentar: a) vínculo jurídico, b) necessidade e c) possibilidade.
Graficamente pode ser representada por um triângulo, em cujos vértices encontram-se tais conceitos. Assim:
VÍNCULO
Obrigação
Alimentar
NECESSIDADE POSSIBILIDADE
Faltando qualquer desses vértices não há triângulo, logo inexiste obrigação alimentar em concreto.
O chamado binômio necessidade-possibilidade é regido pelo critério da proporcionalidade, conforme regra o § 1º do art. 1694. Este último não constitui, em si, um pressuposto da obrigação, mas uma norma de regência e equilíbrio da relação entre estes elementos.
A necessidade é caracterizada no art. 1.695 do Código Civil pela circunstância de alguém não ter bens suficientes, nem poder prover, pelo seu trabalho, a própria mantença. Prover a própria mantença é obrigação ética fundamental de todo ser humano capaz. Obter auxílio de terceiros por meio da prestação alimentar é exceção que somente se justifica quando a pessoa não dispõe de patrimônio suficiente para fornecer renda que atenda essa finalidade ou quando está impossibilitada – por motivo de idade, doença física ou mental – de auto-sustentar-se com o fruto de seu trabalho.
A possibilidade de prestar é condicionada a que o demandado não fique desfalcado do necessário ao seu próprio sustento. É certo que assim o seja, pois nada justificaria privar o potencial prestador de seu meio de subsistência para beneficiar o postulante aos alimentos. Levado isso ao extremo, o alimentante, desprovido de recursos para sustentar-se, passaria à condição de candidato a obter prestação alimentar de terceiro, o que seria o coroamento do absurdo.
Cabe a quem pretende os alimentos dar as razões de sua necessidade. Não apenas do valor que precisa para seu sustento, como também do motivo pelo qual não está em condições de provê-lo por si. Além disso, deve indicar aproximadamente o ganho do demandado ou os recursos de que este dispõe, tudo conforme o comando do art. 2º da Lei nº 5.478/68. Ao fazê-lo, o pretendente à verba deve ter bem presente os deveres processuais a que está submetido, cumprindo-lhe expor os fatos conforme a verdade, proceder com lealdade e boa-fé e não formular pretensões ciente de que são destituídas de fundamento (art. 14, incs. I, II e III, do CPC). Desse modo, não deve superestimar suas necessidades e nem as possibilidades do prestador, de forma a abiscoitar uma prestação alimentar muito acima do viável, e que acabe por se tornar de pagamento impossível. Tal atitude merece severa censura, inclusive com apenamento como litigante de má-fé, quando restar evidenciado que intencionalmente alterou a verdade dos fatos (art. 17, inc. II, do CPC)! Igual repreensão merecerá o demandado que dolosamente ocultar seus ganhos para fugir ao justo e proporcional dimensionamento da prestação[3].
É preciso sempre ter presente que o inadimplemento dos alimentos pode dar azo à prisão do devedor (art. 733, § 1º, do CPC), restrição severa e excepcional (art. 5º, inc. LXVII, da CF) admitida justamente em face da relevante finalidade da verba cujo pagamento é buscado. Isso porque, na ponderação axiológica, entendeu o constituinte que a vida do credor tem maior peso que a liberdade do devedor, assim se justificando o cerceamento deste último valor quando em jogo está o primeiro. Por essa razão, na fixação do montante devido cumpre ao juiz atuar sem descanso na busca da verdade real, não permanecendo como mero expectador da prova, pois em jogo estará, tanto por parte do autor como do réu, o princípio da dignidade da pessoa humana, que não se compatibiliza com atribuir menos valia à vida do primeiro ou à liberdade do segundo.
Ao autor do pleito alimentar incumbe tão-só expor suas necessidades e dar indícios acerca da possibilidade de quem está sendo chamado a prestar os alimentar (art. 2º da Lei nº 5.478/68). É do réu o ônus de produzir prova de sua efetiva capacidade contributiva[4].
Quando o pretendente aos alimentos for filho menor de idade, a avaliação dos pressupostos de possibilidade e necessidade deve ser feita sob outra ótica. Isso porque estará em causa, nesta hipótese, o interesse de criança ou adolescente, que deve ser tratado com absoluta prioridade (art. 227 da CF).
O menor desfruta de presunção de necessidade[5], pois o que normalmente ocorre é que, por sua própria condição de dependência, e até mesmo impossibilidade legal de trabalhar antes dos 14 anos de idade (art. 227, § 3º, inc. I, CF), não dispõe de recursos próprios para manter-se. Em conseqüência, está dispensado de justificar sua necessidade, que decorre da condição de pessoa em formação[6]. Não é, porém, absoluta esta presunção, admitindo prova em contrário, pois, embora incomum, poderá ocorrer que disponha de melhores recursos que os próprios genitores, o que se dará, por exemplo, se houver recebido um legado, ou desfrutar de renda como ator televisivo.
Quanto à avaliação da possibilidade, do mesmo modo outro será o enfoque quando o alimentado for menor. Trata-se, neste caso, do mais básico dos deveres que está na origem da prestação alimentar: o de sustento (art. 1.566, IV, CC), que decorre do poder familiar É dever ético fundamental de cada um a responsabilidade prioritária pelo ser a quem chama à vida. Assim, justifica-se a inversão da prioridade, pondo-se em primeiro lugar o atendimento das necessidades do filho, enquanto menor, mesmo com o sacrifício do atendimento das necessidades do próprio prestador da verba[7].
3 Limite etário para que os filhos façam jus à verba alimentar
Questão tormentosa diz respeito à cessação dos alimentos em relação aos filhos. Firme a jurisprudência no sentido de que o implemento da maioridade, por si só, não é motivo suficiente para extinguir os alimentos. Isso porque é fato notório que, somente por se tornar maior, ninguém passa automaticamente a ter condições de sustentar-se.
Entretanto, o advento da maioridade repercute na relação jurídica alimentar no sentido de deslocar o fundamento da obrigação, antes assentada no poder familiar (art. 1.566, IV, CC) e que, a partir de então, encontra fundamento no parentesco (art. 1.694,CC). Como conseqüência, desaparece a presunção de necessidade, que milita em favor do menor, e passa a ser exigido do beneficiário dos alimentos, se lhe for promovida uma ação exoneratória, que justifique e comprove o motivo pelo qual ainda necessita da verba[8]. Não se admite, porém, que, implementada a maioridade, o alimentante cesse automaticamente os pagamentos[9]. Para obter tal desiderato, necessitará promover ação exoneratória, onde será assegurado ao alimentado o direito de justificar a manutenção de sua necessidade.
De regra, a jurisprudência tem estabelecido como limite para que o filho possa continuar a receber alimentos a idade de 24 anos. Isso tomando como analogia as regras previdenciárias e tributárias, que fixam essa idade como termo final da dependência, e também por ser, na média, a faixa etária em que é concluído o curso universitário, para aqueles que logram lá chegar. Não há, é certo, rigidez nesse limite, devendo sempre ser cuidadosamente examinadas as circunstâncias específicas de cada caso, de modo a, por um lado, não incentivar o ócio nem, por outro, retirar meio de sustento de quem dele efetivamente necessita[10].
Com a costumeira lucidez, o alerta de Luiz Edson Fachin acerca do difícil equacionamento dos interesses:
Nada obstante, se nesse vazio inaugurou-se o mito do desamor paterno, a obrigação alimentar põe a cobro atos e omissões relevantes. Enfim, a paternidade responsável, não sendo de todo relevante a idade do filho ou filha e sim a necessidade. Maioridade civil pode não coincidir com a maioridade econômico-financeira.[11]
Maior relevo ainda assume essa ponderação na vigência do atual Código Civil, tendo em vista que a maioridade se implementa agora aos 18 anos, idade na qual mais reduzidas serão as chances de o filho credor de alimentos já estar inserido no mercado de trabalho, com plenas condições de prover o próprio sustento.
4 Disponibilidade do direito alimentar entre cônjuges
Tradicional a controvérsia em torno de ser ou não disponível o direito a alimentos entre cônjuges e companheiros.
Com relação à obrigação alimentar entre parentes nunca grassou semelhante perplexidade, sendo induvidoso que, nesse caso, o direito a alimentos é indisponível. E é razoável que assim seja, pois, além de se tratar de um direito indissociavelmente ligado à preservação da vida, o parentesco é um vínculo indissolúvel. Logo, nada mais natural que não se possa renunciar ao direito dele decorrente.
A jurisprudência mais recente, inclusive no STJ, firmou-se no sentido de que não se pode dispor apenas dos alimentos decorrentes do parentesco, não dos devidos em razão do casamento[12]. De há muito superado o enunciado 379[13] da Súmula do STF, que espelhava entendimento diverso. Nesse contexto, surge como equivocada e na contramão da doutrina e jurisprudência assentes a norma do art. 1707 do CC quando, sem distinguir situações, dispõe que o direito a alimentos é indisponível.
É certo que tal característica já era consagrada no Código anterior (art. 404 do CC/16). Ocorre que aquele diploma, a partir do art. 396, regrava exclusivamente a obrigação alimentar decorrente do parentesco, e nesse contexto estava inserida a regra do art. 404. Entretanto, a nova codificação, como já destacado, a partir do art. 1694 dispõe acerca dos alimentos devidos tanto em razão do parentesco como do casamento e da união estável. Assim, a regra da indisponibilidade aplica-se agora, em princípio, a todo direito alimentar, independentemente de sua origem (parentesco, casamento ou união estável).
Evidente a inconveniência dessa disposição, no que diz respeito a ex-cônjuges e ex-companheiros. Com sua conhecida erudição, João Baptista Villela assim verbera essa orientação:
São autoritárias nossas leis de família sempre que retiram às pessoas as faculdades inerentes à capacidade de negociar que se lhes reconhece (...) A súmula 379 do STF é arrogante ao substituir-se ao cônjuge que, no exercício natural de sua capacidade, renuncia aos alimentos no acordo de separação. Nada mais prosaico que a renúncia, por quem seja plenamente capaz, dos direitos patrimoniais de que seja titular. Esta súmula, sem embargo de sua aparente neutralidade, ao pretender, de fato, amparar a mulher, suposta vítima de acordos lesivos, restaura, sob mal disfarçada roupagem, a velha incapacidade por enfermidade de sexo. Quando vamos compreender que a tão proclamada igualdade entre homem e mulher não se alcança a golpe de papel e tinta, senão com vontade política, determinação, coragem e audácia?[14]
Com efeito, em se tratando de direito patrimonial, e ainda mais tendo em conta que o casamento (assim como a união estável) é um vínculo que há muito não desfruta da característica da indissolubilidade, injustificável que a ele se associe a geração de um direito indisponível. Ademais, é sabido que muitas vezes a obtenção de um acordo de separação ou divórcio consensual exige determinadas concessões recíprocas. Nesse contexto, a renúncia aos alimentos é manifestada em troca de outras vantagens patrimoniais. Entretanto, com a impossibilidade de dispor dos alimentos estendida também aos cônjuges, a margem de negociação de acordos restará significativamente restringida.
Mesmo mantida esta característica como está no Código, é preciso atentar para dois relevantes aspectos. Primeiro: os acordos realizados em data anterior à entrada em vigor do Código Civil (11 de janeiro de 2003) e que contenham renúncia a alimentos permanecessem hígidos, por se estar aí diante do ato jurídico perfeito, não sendo possível cogitar de aplicação retroativa da lei nova em contrato já perfectibilizado. Segundo: quando se trata de casais já divorciados, irrelevante a circunstância de que ocorra ou não renúncia aos alimentos. É suficiente que, por ocasião da dissolução do vínculo matrimonial nada tenha sido estipulado acerca de pensão alimentícia, para que, independentemente de renúncia, os alimentos não mais possam ser buscados. Isso porque faltará ao pretendente um dos pressupostos da obrigação alimentar, que – ao lado da necessidade e da possibilidade – é o vínculo, que foi rompido com o divórcio. Logo, ausente este pressuposto, não haverá sobre o que se assentar a obrigação alimentar[15].
O que se dá com o casal divorciado, ocorre também com os companheiros quando vêm a separar-se. É que, sendo a união estável (ao contrário do casamento) um fato, não há necessidade de qualquer provimento judicial para dissolvê-la. A dissolução se dá da mesma forma que a constituição, ou seja, pela via da separação fática. Assim, vindo os companheiros a separar-se sem que dentro de um prazo razoável sejam demandados alimentos, desaparece o direito, pois não mais subsistente o vínculo que lhe deu origem. O que seja prazo razoável para a demanda alimentar dependerá do prudente exame das inconfundíveis circunstâncias de cada caso.
Quando se trata, porém, de separação judicial, em que resta rompida apenas a sociedade conjugal, é preciso atentar para a distinção entre dispensa temporária dos alimentos e renúncia. É que com a separação (ao contrário do que sucede no divórcio) rompem-se apenas os deveres de coabitação e fidelidade recíproca, além do regime de bens (art. 1.576 do CC), ficando preservado o dever de mútua assistência (art. 1.566, III, do CC), que embasa a obrigação alimentar decorrente do casamento. Logo, ocorrendo apenas dispensa da verba ao ensejo do ajuste separatório, fica resguardado ao cônjuge a possibilidade de postulá-la posteriormente, desde que comprove superveniente alteração no binômio[16].
Entretanto, se decorrido muitos anos de separação judicial, ou mesmo fática, tem-se que não há motivo para a concessão dos alimentos, mesmo que não tenha havido renúncia expressa. O casamento, nessas circunstâncias, nada mais será que uma reminiscência, talvez amarga, que somente sobrevive na manutenção formal de um vínculo não desfeito juridicamente, mas roto pela força dos fatos. Com a separação, cada um assumiu os riscos da vida autônoma, não se justificando que se mantenham um ao outro como permanente fonte potencial de socorro, na hipótese de necessidade. O tempo tudo desfaz, e a relação que um dia uniu o casal não fica isenta à sua ação. Os integrantes do ex-casal passam a ser pessoas estranhas, faltando, pois, fundamento ético para invocar a obrigação de assistência recíproca que um dia existiu, mas que somente se justifica enquanto entre o casal subsiste algo mais que a remota memória de uma relação.
5 Transmissibilidade da obrigação
Tema habitualmente tormentoso o da transmissibilidade da obrigação alimentar.
Bastante conhecida a controvérsia doutrinária e jurisprudencial que gravitava em torno da interpretação dos arts. 402 do Código Civil de 1916 e 23 da Lei nº 6.515/77, afirmando o primeiro que a obrigação alimentar não seria transmissível e o segundo dizendo justamente o oposto. Doutrina e jurisprudência majoritárias firmaram-se no sentido de que intransmissível seria a obrigação alimentar entre parentes (com fulcro no art. 402), ao passo que transmissível a obrigação entre cônjuges (art. 23 da Lei nº 6.515/77). Isso porque o parente beneficiário dos alimentos, na maioria das vezes, herdaria do autor da herança e, de outro lado, poderia postular diretamente aos próprios herdeiros por possuir parentesco com estes (salvo no caso do irmão alimentado que, possuindo o de cujus filhos, não seria herdeiro e nem poderia pedir alimentos aos sobrinhos).
No contexto dessa cizânia é que surge a importante inovação representada pelo art. 1.700 do Código Civil, dispondo que “a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor”, na forma do art. 1.694.
A partir dessa regra, inquestionável que a transmissibilidade passou a ser característica tanto da obrigação oriunda do parentesco como daquela proveniente do casamento ou da união estável. Isso porque o dispositivo se insere agora genericamente no Subtítulo III (DOS ALIMENTOS), que regulamenta a relação jurídica alimentar entre parentes, cônjuges e companheiros.
Justifica-se que a transmissibilidade não seja restrita apenas à obrigação alimentar decorrente de casamento ou união estável, mas favoreça também o parente, desde que o beneficiário não seja herdeiro do alimentante. Basta pensar na situação do irmão que recebe alimentos de quem possui descendentes, ascendentes ou cônjuge. Nesse caso, nada receberá na herança e, ao mesmo tempo, deixará de ter direito aos alimentos, porque, sendo parente, não ocorrerá transmissão da obrigação. Por outro lado, vindo a herdar, provavelmente desaparecerá a necessidade.
É certo que o art. 1.700 não faz qualquer referência a que a transmissibilidade deva ocorrer nos limites das forças da herança, o que, em princípio, pode conduzir à interpretação de que os herdeiros passam a ser pessoalmente responsáveis, independentemente de terem herdado qualquer patrimônio. Tal interpretação, entretanto, não prospera, pois ofenderia uma das características fundamentais da obrigação alimentar que é o fato de ser personalíssima, somente se justificando sua transmissão aos herdeiros na medida em que vinculada às forças da herança.
Outrossim, ao equivocadamente reportar-se ao art. 1.694 (para guardar simetria com o que dispõe o art. 23 da Lei nº 6.515/77, a remissão deveria ser feita agora ao art. 1.997 do Código, que trata da responsabilidade da herança pelas dívidas do falecido), o dispositivo parece indicar que os herdeiros do alimentante ficam igualmente obrigados a assegurar aos alimentados os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação, e isso, frise-se, independentemente de verificar se as forças da herança comportam tal pensionamento, o que, por evidente, não pode ocorrer, em virtude do fato de que a obrigação alimentar é personalíssima.
Cabe, ainda, definir o quê, afinal, se transmite, havendo, quanto a esse aspecto, três posicionamentos: 1) só se transmite a dívida consistente nas parcelas alimentares que eventualmente estiverem vencidas e inadimplidas quando do óbito do devedor. Desse modo, se o devedor, ao falecer, estiver em dia com a obrigação alimentar, os herdeiros ficam isentos de qualquer responsabilidade alimentar; 2) transmite-se a obrigação de continuar pagando, dentro das forças da herança, desde que o encargo esteja constituído antes do óbito do devedor. Assim, não seria viável, após o passamento do potencial alimentante, dirigir a pretensão alimentar contra seus herdeiros; 3) a obrigação de prestar, dentro das forças da herança (e na proporção dos bens deixados), pode ser constituída mesmo após o óbito do potencial alimentante, em ação contra o espólio.
Para aqueles que se alinham a esta última corrente, um novo leque, com quatro opções, se oferece: 3.a) a necessidade deve estar configurada com anterioridade ao falecimento do eventual alimentante, embora a ação possa ser proposta posteriormente a esse momento (se a necessidade vier a ocorrer depois do óbito, não cabe a ação); 3.b) a ação de alimentos já deve ter sido, ao menos, ajuizada antes desse marco temporal. Se o requerido faleceu no curso do feito, não importará, pois os alimentos ainda assim poderão ser fixados; 3.c) a necessidade do alimentado pode se configurar mesmo depois do óbito do alimentante, mas a ação só pode ser proposta, no máximo, até o momento da partilha, para não deixar, indefinidamente, uma espada de Dâmocles sobre a cabeça dos herdeiros, que a qualquer momento poderão ser chamados a prestar alimentos a alguém que sequer sabiam existir; 3.d) a necessidade pode se manifestar até depois do óbito do potencial obrigado, não havendo, outrossim, limite temporal para o ajuizamento do pedido.
Em favor de cada uma dessas teses militam argumentos jurídicos respeitabilíssimos. A adesão a uma ou outra, é preciso convir, vincula-se, inafastavelmente, a uma opção essencialmente ética do jurista, que consiste em definir-se pelo que deve ser mais valorado: o direito dos herdeiros ao patrimônio ou o direito à vida de quem postula os alimentos? Conforme a resposta que se encontre a essa indagação crucial, será dada maior ênfase ao direito à herança (no primeiro caso), ou ao direito aos alimentos (no segundo).
Nessa ponderação axiológica, cabe dar maior valor à preservação da vida do alimentado, assegurando-lhe a possibilidade de buscar os alimentos, mesmo em detrimento da plena disponibilidade da herança por parte do herdeiro.
Assim, sustenta-se que: 1) o que se transmite é a obrigação de prestar alimentos – evidentemente que dentro das forças da herança – e não apenas eventuais dívidas vencidas[17]. Não fora assim, de nada serviria a característica da transmissibilidade – por inútil, porque é óbvio que pelas dívidas de qualquer natureza do de cujus responde o espólio, conforme dispõe o art. 1.997 do Código Civil –, vez que, na hipótese de não haver parcelas vencidas ao tempo do óbito, extinta estaria a obrigação alimentar, mesmo havendo bens; 2) a obrigação poderá vir a ser constituída mesmo após o óbito, em ação contra o espólio. Isso tanto no que diz respeito ao próprio surgimento da necessidade quanto, é claro, ao próprio ajuizamento da ação; 3) a ação só pode ser proposta, no máximo, até o momento da partilha, porque, em caso contrário, a situação de instabilidade dos herdeiros seria eterna, já que o direito de postular alimentos é imprescritível, o que poderia até levá-los a se desfazer do patrimônio para se evadir à perene ameaça de uma ação de alimentos.
6 Culpa pela situação de necessidade
O Código Civil não apenas mantém a noção tradicional da culpa como decorrência de violação dos deveres matrimoniais, como a amplia, adotando nova concepção que consiste na responsabilidade do pretendente aos alimentos pela sua própria condição de necessidade.
Dispõe o § 2º do art. 1.694 que “os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia”.
Admissível, assim, a perquirição dessa modalidade de culpa não apenas entre cônjuges ou companheiros, como até mesmo em uma ação de alimentos entre parentes, hipótese absolutamente inédita em nosso ordenamento jurídico até o presente!
Ademais, o conteúdo da culpa aqui é diverso daquele contemplado no art. 1.704, parágrafo único, do Código Civil. Neste último dispositivo, a culpa se configura em grave violação dos deveres matrimoniais que torne insuportável a vida em comum, o que, na dicção do art. 1573, poderá decorrer de algum dos motivos lá exemplificativamente mencionados (adultério; tentativa de morte; sevícia ou injúria grave; abandono voluntário do lar durante um ano contínuo; condenação por crime infamante; conduta desonrosa).
A previsão do § 2º do art. 1.694, porém, é de culpa pelo próprio fato de estar necessitando.
No que diz com a obrigação alimentar entre parentes, é evidente que essa será a única perspectiva da culpa a ser questionada, uma vez que entre estes não há falar em quebra de deveres.
Entretanto, quando se trata de obrigação alimentar entre cônjuges, a culpa passa a adquirir, com o novo Código, uma dupla conotação: fica mantida como decorrência da grave violação de algum dever conjugal (no caso de dissolução da sociedade conjugal) e se acrescenta uma nova perspectiva, qual seja a necessidade de investigar se o postulante aos alimentos é ou não culpado pela própria situação de necessidade.
Entre companheiros, será a única modalidade de culpa passível de perquirição, porquanto não há previsão de seqüela alimentar por decorrência da quebra de qualquer dever entre os integrantes de uma união estável.
Árdua será, sem dúvida, a tarefa do julgador para definir em quais situações alguém poderá ser considerado culpado por estar necessitado! Somente em situações extremadas isso poderá ser reconhecido. Assim, v.g., no caso de alguém que perdeu todo patrimônio no jogo. Hipóteses outras, em que se poderia cogitar de culpa indireta, ou muito tênue, certamente não deverão ser aí enquadradas, do contrário sempre haverá margem para tentar comprovar que, ao fim e ao cabo, em qualquer situação o pretendente aos alimentos terá, em alguma medida, responsabilidade por estar necessitando, o que faria recair a prova em extremos de subjetivismo.
De qualquer modo, é de lamentar que, quando a jurisprudência[18] se encaminhava para abolir o questionamento da culpa entre cônjuges na separação judicial, o Código Civil, vindo na contramão, chegue a introduzir esse tema até mesmo em demanda alimentar entre parentes e, além disso acrescente uma nova perspectiva à investigação da culpa entre cônjuges e companheiros, o que tornará as ações de alimentos, cada vez mais, um palco de rancores e retaliações.
7 Alimentos naturais ao cônjuge culpado
Os alimentos entre cônjuges ao ensejo da separação judicial têm seu tratamento nos arts. 1.702 e 1.704.
Pela anterior sistemática da Lei nº 6.515/77, em se tratando de separação judicial fundada em culpa, o art. 19 – em uma consagrada interpretação a contrario sensu do dispositivo – impunha apenas ao culpado o encargo de prestar alimentos ao inocente, caso este necessitasse. Em decorrência, doutrina e jurisprudência uniformemente afirmavam que o cônjuge reconhecido culpado pela separação perdia o direito a alimentos.
O art. 1.702 mantém a sistemática da lei divorcista, condicionando, inicialmente, o direito alimentar do cônjuge à circunstância de ser inocente e desprovido de recursos. Tautológica regra reside no caput do art. 1.704. Portanto, sempre que não caracterizada a culpa, cabível será a estipulação de alimentos.
Assim, inquestionável que, quando a separação judicial resultar de consenso (art. 1.574), ou, na forma litigiosa, for decretada com fundamento em causa objetiva (art. 1.572, §1º) ou na doença mental (art. 1.572, §2º), uma vez não questionada a culpa, a fixação dos alimentos dependerá exclusivamente da concorrência do binômio possibilidade-necessidade, informado pelo critério da proporcionalidade (art. 1.694, § 1º).
Entretanto – a aí se situa a inovação do Código Civil – agora até mesmo o culpado poderá ser contemplado com alimentos. Dispõe o parágrafo único do art. 1.704:
Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.
Duas, portanto, são as condições para que o culpado possa habilitar-se a receber alimentos do inocente: não apresentar aptidão para o trabalho e não ter parentes em condições de prestá-los. Não basta que necessite dos alimentos. É imprescindível, além disso, que não tenha parentes (ascendentes, descendentes ou irmãos) aptos a contribuir com seu sustento. Caso os tenha, deverá pedir os alimentos a eles, não podendo, nessa hipótese, direcionar sua pretensão contra o cônjuge inocente.
Assim, a condição de culpado ou de inocente refletirá na própria ordem de precedência da obrigação alimentar. Isto é: se culpado, o parente precede o cônjuge; se inocente, o cônjuge precede o parente. Na primeira hipótese, será do postulante dos alimentos o ônus da prova acerca da impossibilidade de seus parentes (ascendentes, descendentes e colaterais até o segundo grau – conforme arts. 1.696 e 1.697) lhe prestarem o socorro alimentar.
Não fica aí, porém, a inovação relativa aos alimentos em razão da dissolução da sociedade conjugal.
Ocorre que, preenchendo o cônjuge as condições postas em lei para que possa postular os alimentos, estes, na hipótese de ser o alimentado considerado culpado pela separação, serão fixados pelo juiz apenas no montante indispensável à sobrevivência (art. 1704, parágrafo único). Ou seja, a verba ficará restrita aos alimentos ditos naturais (necessarium vitae), integrados pelo estritamente necessário à preservação da vida, com o atendimento das necessidades básicas relativas à alimentação, moradia, vestuário e tratamento por ocasião de moléstia. Verifica-se, nesse caso, que o quantitativo alimentar não será estipulado tendo em mira exclusivamente o binômio que informa a matéria, mas um outro fator de ponderação deverá ser considerado. Isso porque, mesmo que o alimentante tenha possibilidade para contribuir com valor maior, a tanto não estará obrigado, tendo em vista que o montante do pensionamento deverá ser quantificado de modo restritivo.
Em contrapartida, ao cônjuge que não for considerado culpado pela separação (ou seja, o inocente), bastará provar sua necessidade (decorrente do fato de não possuir aptidão para o trabalho e nem bens rentáveis) e a possibilidade do potencial prestador para se habilitar ao recebimento de pensão alimentícia. Não fica, nesta hipótese, obrigado a demonstrar que não possui parentes em condições de prestá-los. E mais: o valor dos alimentos deverá corresponder ao que for necessário à preservação da condição social (art. 1.694) que o inocente desfrutava durante o casamento, não ficando adstrito ao mínimo indispensável à sobrevivência, como ocorre com o culpado. Terá, em suma, direito a alimentos civis (côngruos ou necessarium personae), que abrangem, além do atendimento das necessidades básicas (próprias dos alimentos naturais), também as despesas com educação, instrução e lazer. Em resumo, as necessidades culturais da pessoa, não apenas às relativas à sua sobrevivência física.
8 Alimentos entre companheiros e a culpa
O tema da culpa como balizador da obrigação alimentar entre companheiros tem constituído tradicional foco de divergência tanto na doutrina como na jurisprudência.
Contrariamente ao que ocorre com os cônjuges, o Código Civil não estabelece expressamente para os companheiros qualquer repercussão sobre os alimentos em decorrência da eventual culpa por violação aos deveres recíprocos, contemplados no art. 1.724 do CC.
Em já clássica monografia sobre o tema, assinala Guilherme Calmon Nogueira da Gama que
o sistema jurídico nacional, tradicionalmente, adota a responsabilidade alimentar como forma de reparar o dano provocado pelo culpado na dissolução da sociedade ou mesmo do vínculo conjugal. (...) Assim, a despeito das alterações introduzidas no ordenamento jurídico nacional pela Lei 6515/77, no tocante à obrigação alimentar decorrente do casamento, foi incorporado o critério da culpa do alimentante e, ao seu lado, a inocência do alimentando. Na hipótese de culpa concorrente, não há alimentos devidos a qualquer um dos ex-cônjuges, em se tratando de separação litigiosa. No campo da dissolução consensual inexiste restrição. Portanto, esses são os postulados aplicáveis ao casamento, não sendo permitido aos companheiros gozar de vantagens e privilégios superiores aos do casamento, razão pela qual não havia como desconsiderar o critério da culpa na obrigação alimentar entre companheiros, em virtude da dissolução litigiosa da união, à similitude do que ocorre com os cônjuges.[19]
Na mesma linha é o pensamento de Sérgio Gischkow Pereira que destaca:
Por mais que se pretenda eliminar a culpa não há como desobedecer ao direito positivo criando uma contradição axiológica intolerável. O tratamento para os alimentos foi o unificado no novo Código Civil, e, no subtítulo correspondente (subtítulo III, título II, livro IV), por mais que não agrade, a culpa impregna repetidamente o regramento da matéria alimentar. Para dela fugir, só mesmo com o argumento da inconstitucionalidade contra a qual já me manifestei antes. Lutemos para retirar a culpa do Código Civil, mas, enquanto nele permanecer, difícil com ela não conviver.[20]
Em pólo oposto, situa-se Rodrigo da Cunha Pereira, que, citando João Baptista Villela, sustenta:
(...) ora, não se pode presumir a culpa em um texto legislativo que não a prevê. Com a maestria e precisão que lhe é peculiar, João Baptista Villela esclarece que a solução para que os companheiros não tenham melhor regime que os casados está não em introduzir a culpa na separação concubinária, o que seria arbitrário, mas entendê-la dispensada com fundamento na Meistbegüngsklausel, para fins de atribuição do direito a alimentos na separação conjugal. Com isso ganha o casamento e ganha o concubinato, desatrelados da equivocada postura de fazer depender o direito a alimentos da boa conduta de quem os reclama. Um raciocínio que, a ser procedente, deveria levar o Estado a negar comida aos encarcerados, porque se o são é porque delinqüiram, e, portanto, não tiveram bom comportamento.[21]
Esta última corrente merece prevalecer. Ocorre que não é possível inserir o debate da culpa decorrente de violação de qualquer dever para com o companheiro, no âmbito da união estável, tendo em vista a absoluta ausência de previsão legal. Observe-se, a propósito, que, quanto aos alimentos, o art. 1.704, parágrafo único, trata apenas da repercussão da culpa entre cônjuges, não se podendo, no caso, raciocinar por analogia, trazendo o questionamento da culpa por quebra de deveres para a união estável, pois se trata de regra restritiva de direito. Assim, a melhor solução não está em trazer a culpa para o âmbito da união estável, mas, sim, em retirá-la, pela analogia inversa, do casamento[22].
No entanto, não há como afastar a possibilidade de questionar a culpa na modalidade prevista no § 2º do art. 1.694, do contexto da união estável, como visto acima.
9 O procedimento indigno do credor como causa extintiva da obrigação
O art. 1.708 do CC incorpora, alargando-a, a regra do art. 29 da Lei nº 6.515/77. A ampliação se dá com a previsão de que, além do novo casamento do credor, também com a formação de união estável, concubinato ou o procedimento indigno em relação ao devedor, cessará o dever alimentar do ex-cônjuge, ex-companheiro ou do parente.
Como notório, com a separação judicial e com o divórcio não mais se mantém o dever de fidelidade. Assim, a simples circunstância de o ex-cônjuge alimentado vir a manter relações afetivo-sexuais com terceiro não acarretará, por si só, a perda do direito a alimentos, pois tal não se poderá mais qualificar como procedimento indigno em relação ao devedor. Por isso – e objetivando evitar interpretações excessivamente ampliativas e moralistas da norma – é que o conceito de procedimento indigno apto a ocasionar a perda do direito aos alimentos deve ser visto restritivamente, enquadrando-se em uma das hipóteses que ensejam a exclusão de herdeiro da sucessão (art. 1.814 c/c art. 1.815 do CC) ou a revogação de doações por ingratidão (art. 557).
Do mesmo sentir é Antônio Cezar Peluso, que, com extraordinária argúcia pontifica:
Claro que também aqui se admitem exceções, no caso de comportamentos gravíssimos que, pelo teor da ofensa, destruam o substrato jurídico da solidariedade e, por conseqüência, da solidariedade familiar tornando iníqua a obrigação, por aquilo a que chamo de qualificação transfamiliar ou transconjugal de certos atos incompatíveis, por natureza, com a obrigação de concorrer para a subsistência do outro. O que estou querendo dizer é que existem atos que pelo elevado grau de afronta, transcendem os limites das chamadas causas normais de rompimento da comunhão de vidas. Há, na verdade, causas que ultrapassam essa como ordinariedade, normalidade, e que, por seu caráter extremamente odioso, postulariam capacidade de superação própria de heróis ou de super homens. Por exemplo: os crimes que tipificam causa jurídicas de indignidade, de revogação de doação, cujo pronunciado valor negativo rompe com os pressupostos da solidariedade, não apenas com a affectio conjugalis. Noutras palavras, exigir solidariedade a uma pessoa, vítima de um desses delitos, seria pedir-lhe fosse santo, super homem, ou coisa que o valha.[23]
Essa orientação foi consagrada ao ensejo da III Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal em Brasília, de 1º a 3 de dezembro de 2004, na qual, entre outros, foi aprovado o enunciado nº 264[24] com o seguinte teor:
Na interpretação do que seja procedimento indigno do credor,apto a fazer cessar o direito a alimentos, aplicam-se, por analogia, as hipóteses dos incs. I e II do art. 1.814 do Código Civil.
Diante disso, o comportamento indigno em relação ao devedor apto a fazer cessar a obrigação alimentar somente se configurará nas seguintes circunstâncias: 1) quando o credor houver sido autor, co-autor ou partícipe de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa do devedor, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; 2) quando o credor houver acusado caluniosamente em juízo o devedor ou incorrer em crime contra sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro.
10 O concubinato do credor como causa extintiva da obrigação
Outra previsão que certamente dará azo a polêmica é o concubinato do credor como causa de cessação da obrigação alimentar, conforme dispõe o mesmo art. 1.708 do CC.
É necessário atentar que o termo concubinato está empregado em sua acepção restrita, em que não se confunde com união estável. Isso porque a manutenção desta entidade familiar por parte do credor consta também expressamente como causa autônoma que põe fim à obrigação alimentar. Assim, por concubinato deve ser compreendida a relação que se enquadre na definição do art. 1.727 do CC, ou seja, de caráter não eventual entre homem e mulher, impedidos de casar. Fica ressalvada a possibilidade de configurar-se união estável entre pessoas casadas com terceiros, desde que separadas de fato (art. 1.723, § 1º, do CC).
Dessa forma, sendo o concubinato uma relação que não configura entidade familiar, não gera obrigação alimentar entre seus integrantes. Logo, atribuir-lhe o efeito de fazer cessar os alimentos que um dos concubinos vem recebendo poderá originar situações de extrema injustiça. Em atenção a essa circunstância é que por ocasião da já referida III Jornada de Direito Civil foi também aprovado o enunciado nº 265[25]:
Na hipótese de concubinato, haverá necessidade de demonstração da assistência material prestada pelo concubino a quem o credor de alimentos se uniu.
Com efeito, somente se justifica eticamente fazer cessar a obrigação alimentar já constituída quando seu beneficiário passar a contar com outra fonte de sustento. Entender diferentemente equivaleria a mantê-lo sob o jugo permanente do alimentante, a quem não deve mais fidelidade[26].
11 Conclusões
a. Na lide alimentar, por estar em jogo a dignidade da pessoa humana, avulta em importância o comportamento ético das partes, no sentido de oferecer ao Estado-juiz informações confiáveis, de modo a propiciar uma justa e equânime fixação da verba;
b. Tratando-se de alimentos devidos a filho menor de idade, o pressuposto da possibilidade deve ser analisado sob ótica favorável ao alimentado, justificando-se até o sacrifício do sustento do alimentante;
c. O implemento da maioridade não é suficiente, por si só, para fazer cessar a obrigação alimentar do genitor, devendo ser averiguado, em cada caso, se o alimentado está em condições de prover o próprio sustento;
d. Rompido o vínculo matrimonial com o divórcio, não é possível posterior postulação de alimentos, independentemente de ter ou não ocorrido renúncia expressa;
e. É válida renúncia a alimentos em separação judicial acontecida antes da vigência do atual Código Civil;
f. A separação fática do casal, por muitos anos, retira fundamento ético para o exercício da pretensão alimentar, mesmo se não houve renúncia expressa a esse direito;
g. Acerca da característica da transmissibilidade, afirma-se: (1) o que se transmite é a obrigação de prestar – evidentemente que dentro das forças da herança – e não apenas eventuais dívidas vencidas; (2) essa obrigação poderá vir a ser constituída mesmo após o óbito, em ação contra o espólio. Isso tanto no que diz respeito ao surgimento da necessidade quanto ao próprio ajuizamento da ação; (3) o pedido só pode ser ajuizado até o momento da partilha;
h. A culpa do pretendente aos alimentos pela sua situação de necessidade somente deve ser reconhecida em situação excepcional, onde reste objetivamente caracterizada;
i. Em demanda alimentar entre companheiros, a única modalidade de culpa que cabe questionar é a atinente à responsabilidade do requerente pela sua situação de necessidade;
j. O procedimento indigno do credor dos alimentos, como causa extintiva da obrigação, deve ser interpretado restritivamente, utilizando-se da analogia com as hipóteses contempladas no art. 1.814, incs. I e II, do Código Civil;
k. Na hipótese de concubinato, para que cesse a obrigação alimentar do ex-cônjuge, haverá necessidade de demonstração da assistência material prestada pelo concubino a quem o credor de alimentos se uniu.
12 Referências
BRASIL. Conselho da Justiça Federal. III Jornada de Direito Civil. Brasília, dez. 2004. Disponível em: http://www.cjf.gov.br/revista/enunciados/IIIJornada.pdf. Acesso em: 23 abr. 2005.
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[1] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 37.
[2] REALE, Miguel. Função social da família no Código Civil. Disponível em: http://www.miguelreale.com.br. Acesso em: 19 abr. 2005.
[3] ALIMENTOS. MÁ-FÉ. Cruel a atitude do apelante em ocultar os seus rendimentos, juntado comprovante de apenas 10 dias de trabalho, situação que enseja a manutenção dos alimentos e a condenação nas penas de litigância de má-fé. TERMO A QUO. A verba alimentar fixada na sentença que julgou procedente ação de investigação de paternidade retroage da data da citação, nos termos do art. 13, § 2º, da Lei de Alimentos. Apelo desprovido, condenando o apelante nas penas de litigância de má-fé. (AC 70002348597, Sétima Câmara Cível do TJRS. Rel. Desa. Maria Berenice Dias, j. em 23 de maio de 2001. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 22 abr. 2005).
[4] Sobre o tema o Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aprovou o enunciado nº 37, com o seguinte teor: “Em ação de alimentos é do réu o ônus da prova acerca de sua impossibilidade de prestar o valor postulado.” Na justificativa consta: “Noticia Yussef Said Cahali, em seu clássico DOS ALIMENTOS ( 3ª. Ed., p. 841/843) a acirrada controvérsia que grassa acerca do ônus da prova, na ação de alimentos, sobre o pressuposto da necessidade do autor. Entretanto, ao abordar o tema na perspectiva da possibilidade, é enfático o Mestre: ‘Quanto à outra condição há consenso sobre o ônus da prova (...); a impossibilidade do alimentante, como fato impeditivo da pretensão do alimentando, deve ser provado pelo réu, como objeção que é’. Assim, apesar de o tema não ser com freqüência abordado na jurisprudência, o consenso doutrinário que o cerca é bastante expressivo, e se justifica pela circunstância de que dificilmente o autor de uma ação de alimentos terá acesso a informações seguras sobre os rendimentos do réu. Por isso é que a própria Lei 5.478/68, em seu artigo 2º, carregou ao autor apenas o encargo de provar a existência do vínculo originador da obrigação alimentar e de demonstrar os recursos de que ele mesmo dispõe, deixando, assim, evidente, que o ônus de comprovar a possibilidade do prestador é deste próprio, como fato impeditivo da pretensão alimentar deduzida.”
[5] ALIMENTOS. DEVER DE AMBOS OS CÔNJUGES. MENOR IMPÚBERE. CC 1916, ART. 231, IV. ALIMENTOS. ART. 231, IV, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. O dever de prestar alimentos aos filhos menores impúberes independe da demonstração da necessidade, cabendo ao Juiz diante das circunstâncias, promover a instrução para que sejam abertos os caminhos para a prestação dos alimentos possíveis. Recurso especial conhecido e provido. (REsp nº 241.832-0 – MG. Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Terceira Turma. .j. em: 17.06.2003).
[6] INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ALIMENTOS. Ainda que não pleiteados na inicial impositivo que a sentença fixe os alimentos em face da determinação constante do art. 7º da Lei nº 8.560/92. A omissão enseja a anulação da sentença por "citra petita", pois sendo menor o investigante a necessidade é presumida. Sentença anulada. (AC 70004803326, Sétima Câmara Cível do TJ RS. Rel. Maria Berenice Dias, j. em 23/10/2002. Disponível em: http: www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 23 abr. 2005).
[7] ALIMENTOS. PARENTES. ARTS. 1.694 E 1.695, CCB. A obrigação alimentar decorrente genericamente do parentesco é de menor intensidade do que o dever alimentar que decorre do poder parental. Este último é prioritário sobre o sustento do próprio prestador. O primeiro, no entanto, condiciona-se à possibilidade do prestador atendê-lo sem prejuízo, em primeiro lugar, da satisfação de suas próprias necessidades. Caso em que os filhos, maiores, não ostentam condições de prestar alimentos ao pai, embora a necessidade deste. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 12 DO ESTATUTO DO IDOSO. A Lei 10.741, de 01 de outubro de 2003, prevê, em seu artigo 12, que ´a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores´. Trata-se, à evidência, de regra que, ao conferir à obrigação alimentar a característica da solidariedade, contraria a própria essência da obrigação, que, consoante dispõe o artigo 1.694, parágrafo primeiro, do Código Civil, deve ser fixada na proporção da necessidade de quem pede e da possibilidade de quem é chamado a prestar. Logo, por natureza, trata-se de obrigação divisível e, por conseqüência, não-solidária, mostrando-se como totalmente equivocada, e à parte do sistema jurídico nacional, a dicção da novel regra estatutária. Negaram provimento. Unânime. (AC 70006634414, Sétima Câmara Cível, TJRS, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. em 22/10/2003. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br . Acesso em: 23 abr. 2005).
[8] ALIMENTOS. MAIORIDADE. Com a maioridade da apelada, os alimentos deixaram de encontrar seu fundamento no dever de sustendo dos pais para com os filhos menores (art. 1.566, inc. IV, do CCB), e que faz presumida a necessidade destes, e passaram a amparar-se na obrigação existente entre parentes (art. 1.694 e seguintes do CCB), desaparecendo, a partir daí, a presunção de necessidade, que deve ser provada por quem alega, ou seja, pela alimentada. Comprovado que ela está tentando concluir o 2º grau, deve o seu genitor contribuir para a sua formação, alçando-lhe o mínimo para sua subsistência. Não provada, de outra banda, redução de sua capacidade financeira desde a data em que foi a pensão arbitrada, deve esta ser mantida no patamar fixado. Negaram provimento. Unânime. (AC 70009429689, Sétima Câmara Cível, TJRS, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. em 10/11/2004. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 23 abr. 2005).
[9] AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS. EXONERAÇÃO E REDUÇÃO LIMINAR INDEFERIDOS. A maioridade do filho, por si só, não é causa automática extintiva da obrigação alimentar. Não provado que o filho exerce atividade laboral e provê o próprio sustento, descabe a exoneração liminar dos alimentos. Da mesma forma, descabe a redução relativamente à filha menor, se não demonstrada modificação na situação de fazenda do alimentante. Agravo de instrumento desprovido. (AI 70010343879, Oitava Câmara Cível, TJRS, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, j. em 17/02/2005. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 22 abr. 2005).
[10] ALIMENTOS. IDADE E ESTUDO. Ainda que tenha o alimentando trocado de curso universitário, mantendo-se estudando, imperioso que persista percebendo alimentos, desimportando o fato de contar com 26 anos de idade. Apelo provido por maioria, vencido o Relator. (AC 70007516644, Sétima Câmara Cível, TJRS, Rel. Des. Sérgio Fernando De Vasconcellos Chaves, j. em 03/12/2003. disponível em: http://www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 22 abr. 2005).
[11] FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. pp. 279-280.
[12] A jurisprudência do STJ – não obstante o Enunciado 379 da Súmula do STF – é pacífica no sentido de que os alimentos devidos em razão do casamento não desfrutam da característica da indisponibilidade. Assim, entre inúmeros outros, vale referir os seguintes julgados recentes: 1) REsp 70.630/SP (Quarta Turma – Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior); 2) REsp 254.392/MT (Quarta Turma – Rel. Min. César Asfor Rocha); 3)REsp 221.216/MG (Terceira Turma – Rel. Min. Carlos Alberto Meneses Direito); 4) RHC 11.690/DF (Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi). Desse modo também se posiciona o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, do que é exemplo o seguinte aresto:
ALIMENTOS. RENUNCIA OU DISPENSA EM DIVORCIO. IMPOSSIBILIDADE DE NOVO PEDIDO. O divórcio rompe, salvante expressas exceções, todos os vínculos entre os ex-cônjuges. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 379. O dever de assistência, somente persiste quando as partes o convencionam no acordo do divorcio, ou nos casos do artigo 26, da Lei nº 6515/77. Se a ex-esposa não fez atuar o direito a alimentos enquanto cônjuge, e se tal direito não foi ressalvado expressamente no acordo de divorcio, apos desfeito o casamento já não cabe sequer indagar da ocorrência de renuncia ou dispensa. Carência de ação por parte da ex-esposa para pedir alimentos ao ex-marido. Apelação improvida. (AC 599276409, Oitava Câmara Cível, TJRS, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, j. em 10/06/1999).
Na doutrina, conserva atualidade a lição de Sílvio Rodrigues: “Em primeiro lugar, há que se ter em vista que o acordo havido em processo de desquite por mútuo consentimento é negócio jurídico bilateral, que se aperfeiçoa pela conjunção da vontade livre e consciente de duas pessoas maiores. Se as partes são maiores, se foi obedecida a forma prescrita em lei e não foi demonstrada a existência de vício de vontade, aquele negócio deve gerar todos os efeitos almejados pelas partes, valendo, assim, a renúncia aos alimentos por parte da mulher. Ademais, o acordo no desquite se apresenta como um todo, em que cada cônjuge dá a sua concordância tendo em vista as cláusulas básicas que o compõem. É possível que se o marido soubesse que havia de ser compelido a sustentar a sua ex-esposa não concordaria em subscrever a petição de desquite; afinal, o desquite é um distrato, que tira a sua seiva da vontade das partes. Em segundo lugar, porque, homologado o acordo de desquite desaparece o dever de mútua assistência entre os cônjuges, não havendo mais razão para impor-se ao homem o dever de sustentar sua ex-mulher” In: Direito civil. 18. ed. v.6. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 228.
[13] Súmula 379, do STF: No acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais.
[14] VILLELA, Joao Baptista. Repensando do direito de família. In: Congresso Brasileiro de Direito de Família, 1, 1997, Belo Horizonte. Anais. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 22-23.
[15] ALIMENTOS. DIVÓRCIO. EX-MULHER. DISPENSA. Tendo em vista que as partes dispensaram reciprocamente os alimentos quando da homologação do divórcio, descabido o pleito alimentar da recorrente, porquanto dissolvido o vínculo conjugal e , assim, expira o dever de mútua assistência e a conseqüente obrigação alimentar. (AC 70004887345, Oitava Câmara Cível, TJRS, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, j. em 26/09/2002. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 22 abr. 2005).
[16] ALIMENTOS. DISPENSA. TEORIA DA IMPREVISÃO. Ainda que tenha a mulher dispensado os alimentos quando da separação, possível é buscá-los posteriormente ao constatar que não tem condições de ingressar no mercado de trabalho para prover sua subsistência. Apelo improvido por maioria. (AC 70004164844, Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 15.05.2002. Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br. Acesso em: 23 abr. 2005).
[17] Sérgio Gischkow Pereira (In: A lei do divórcio e a transmissão da obrigação alimentar. AJURIS: Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, ano 5, nº 14, p. 80-90, nov/1978) aponta a solução correta para tornar viável o pagamento dos alimentos transmitidos: constituição de um capital na forma do art. 602 do CPC, com cujo rendimento, se houver, pagar-se-á a prestação alimentar. O objetivo não é vender os bens da herança para pagar os alimentos. Se não houver rendimento desses bens, extinguir-se-á a obrigação. Se os rendimentos forem menores que o valor da prestação alimentar, esta será reduzida, adequando-se aos limites daqueles. É claro que esse problema da transmissão só vai interessar em se tratando de alimentante rico, porque somente um conjunto patrimonial de bens de razoável vulto será apto a proporcionar renda.
[18] DIVORCIO LITIGIOSO. AGRESSOES. CULPA. SEPARACAO DE FATO. CONDICAO SUFICIENTE PARA DECRETAR-SE O DISSIDIO DA SOCIEDADE CONJUGAL. PARTILHA. INVENTARIO PARA A DIVISAO. A culpa, sempre de difícil comprovação e que ancorava o rígido sistema originário do Código Civil para o dissídio do casal, hoje não tem maior sentido para justificar a separação ou o divorcio, quando determinados sintomas emergem da relação. Assim, a separação de fato já revela a falência da arquitetura conjugal, não sendo preciso avançar em outra motivação, pois traduz a ruptura do afeto e do amor. Não é desarrazoado o edito que determina a partilha nesta sede, quando não ha impugnação do rol descrito, prevendo-se apenas o inventario para futura divisão. Apelação provida, em parte. (AC 70000257998, Sétima Câmara Cível, TJRS, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. em 26/04/2000) .
[19] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 325.
[20] PEREIRA, Sérgio Gischkow. O direito de família e o novo código civil: alguns aspectos polêmicos ou inovadores. Revista AJURIS, 90/285.
[21] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável de acordo com o novo Código Civil. 6. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 84.
[22] A vinculação dos alimentos à noção de culpa tem sido execrada por expressiva parcela da doutrina hodierna. Lúcio Grassi de Gouveia, em eloqüente passagem, assinala: “na origem da consideração da culpa como fator preponderante para fixação dos efeitos do divórcio, deve ser considerada a influência da formação cultural judaico-cristã, que associa as atividades humanas à idéia de expiação dos pecados, em que o prazer não é facilmente absorvido desvinculado do elemento culpa (...). Tal forma de pensar influenciou o direito de família em diversos países, expressando-se essa noção de culpa na responsabilização de um cônjuge por não mais querer continuar casado com o outro. Exige-se sacrifício e dor em prol da ‘paz doméstica’, que se transforma gradativamente na mais terrível forma de sofrimento: a convivência forçada com alguém com quem não há mais qualquer vínculo afetivo. O direito à felicidade é colocado em último plano. O cônjuge deve sofrer, pois, já que assumiu o casamento, estará condenado perpetuamente a viver com outro pelo resto da vida. E se conseguir livrar-se do casamento, em um processo árduo, no qual será vasculhada sua vida e devastada sua intimidade (a investigação da culpa propicia isso) não poderá fazê-lo impunemente. Em alguns sistemas jurídicos terá que pagar perdas e danos, alimentos, perderá bens e direitos, em suma, será punido muitas vezes com a ruína econômica. Livra-se de uma pena perpétua mas imediatamente tais sistemas jurídicos lhe asseguram eficazmente outra. Você jamais será feliz ! É o que parece querer dizer o juiz que matematicamente calcula o grau de culpa de cada um dos desesperados cônjuges para fixação dos efeitos a serem suportados pelo único ou principal culpado” (In: A culpa como fator para fixação dos efeitos do divórcio. REVISTA DA ESMAPE, v. 5, n. 12, pp. 505/506).
[23] PELUSO, Antônio Cezar. A culpa na separação judicial e no divórcio. In: ZIMERMAN, David; COLTRO, Antonio Carlos Mathias (Orgs.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. Campinas: Millennium, 2002. p. 571.
[24] Disponível em: http://www.cjf.gov.br/revista/enunciados/IIIJornada.pdf .Acesso em: 23 abr. 2005.
[25] Disponível em: http://www.cjf.gov.br/revista/enunciados/IIIJornada.pdf. Acesso em: 23 abr. 2005.
[26] Nessa linha, paradigmática decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, ainda na vigência do Código Civil de 1916:
PENSÃO ALIMENTÍCIA. EXONERAÇÃO. Insubsistência da obrigação alimentar pretendida pelo ex-marido com fundamento em argumento de ordem ética consistente na liberdade sexual da mulher. Inadmissibilidade. Direito apenas condicionado à necessidade do alimentando e à possibilidade do devedor de prestar a verba. Deveres de coabitação e fidelidade recíproca extintos com a separação, mas não o de mútua assistência, que, reconhecido em sentença ou convenção, não pode atrelar-se a dever que cessou. Obrigação que só deve cessar na hipótese de concubinato ou relacionamento amoroso que implique ou pressuponha alguma forma de ajuda econômica, acarretando mudança na fortuna da beneficiária. Fatos não comprovados. Ação improcedente. Aplicação dos arts. 231, III, 399, 400 e 401 do CC e 3º da Lei 6.515/77. Declaração de voto vencido e vencedor. Nenhuma norma jurídica, explícita ou implícita, condiciona a subsistência do direito a alimentos à abstinência sexual do titular, cuide-se ou não de mulher separada, a qual, enquanto coexistam a necessidade da pensão e a possibilidade do devedor de prestá-la – os dois únicos requisitos extremos que a lei enuncia como elementos do suporte fático (arts. 399-401 do CC) – continua investida na condição de credora, a despeito de reparos que se lhe oponham à vida sexual ou afetiva, área de sua indevassável intimidade. Perante o art. 3º, caput, da Lei 6.515/77, à separação se diluem apenas os deveres de coabitação e de fidelidade recíproca, não o de mútua assistência (art. 231, III, do CC), que, reconhecido em sentença ou convenção, já não pode andar atrelado a dever que cessou. Castidade da mulher separada – e, por coerência, há de se dizer: do cônjuge separado, homem ou mulher – não é, pois, requisito, pressuposto, condição nem elemento legal do direito a alimentos estatuído em sentença ou convenção. O antigo marido só se exonera se a alimentanda entra a viver em concubinato, ou, não o fazendo, passa a receber ajuda econômica de parceiro amoroso, porque se presume, no primeiro caso, e se prova, no segundo, que já não necessita da pensão acordada ou determinada. (AP. 86.609-1 – 2ª C. – j. 04.08.87 – Rel. Des. Cezar Peluso – RT 643/63).
No mesmo sentido: TJSP, Einfrs 146.588-1-3-1, j. 16.02.93 (RT 699/51); STJ - REsp 111.476-MG - j. 25.03.99 – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira (RT 769/172); STJ – REsp 107.959-RS – j. 07.06.2001 – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar (RT 797/200); STJ – REsp 287.571-SP – j. 25.03.2002 – Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior (RT 803/173).
Muito obrigada pelos ensinamentos!
ResponderExcluirCitei o seu texto em uma ação de alimentos...
ResponderExcluirÓtimos ensinamentos....
Excelente artigo. Abrangente. Bem fundamentado. Coeso, claro, objetivo, didático, esclarecedor. Muito bom.
ResponderExcluirExcelente ! Claro e objetivo. Compreensível até pelos leigos.
ResponderExcluirExcelente artigo! Parabéns professor pelo belíssimo material. E já lhe peço autorização para citá-lo em uma ação que estou fazendo. Obrigado
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