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quarta-feira, 8 de junho de 2011

DOUTRINA - A SEPARAÇÃO JUDICIAL E O DIVÓRCIO NO NOVO CÓDIGO CIVIL

Luiz Felipe Brasil Santos 


(publicado em setembro.2002)
SUMÁRIO: 1. Introdução: um breve escorço histórico. 1. a. O Código Civil de 1916. 1. b. A Emenda Constitucional n. 09/77 e a Lei n. 6.515/77. 1. c. A Constituição de 1988. 2. O Novo Código Civil. 3. O PL 6.960/02. 4. Observações Conclusivas. Referências Bibliográficas.

1.   INTRODUÇÃO:  UM BREVE ESCORÇO HISTÓRICO

1. a.   O Código Civil de 1916
O vetusto Código Civil de 1916 continha, em seu artigo 317, a previsão de um “numerus clausus” de hipóteses em que se daria o “desquite”. Em qualquer delas, o fundamento do pedido estava vinculado ao “princípio da culpa”, ou seja, apenas o comportamento do outro cônjuge que caracterizasse uma hipótese de violação a dever conjugal é que ensejaria o “desquite”, sendo declarado “culpado” aquele que houvesse violado tal dever, arrostando as seqüelas daí decorrentes.
Na redação original do dispositivo, ensejavam o pedido de desquite litigioso as seguintes hipóteses: adultério, tentativa de morte, sevícias ou injúria grave e abandono voluntário do lar durante dois anos contínuos.  Para o legislador do final do século XIX e início do XX era desconhecida a possibilidade de pôr fim à sociedade conjugal com fundamento no princípio da ruptura, ou seja, em causa objetiva (decurso do tempo de separação fática do casal).  Como exceção, admitia o desquite por mútuo consentimento (popularmente conhecido como “amigável”), que era previsto no artigo 318, tendo como condição a existência de casamento há mais de dois anos.
Tendo contemplado apenas a causa culposa como fundamento da extinção da sociedade conjugal, o legislador de 1916, além disso, deixou de prever o divórcio, justamente por não admitir a possibilidade de extinção do casamento, tal era a valoração desse contrato-instituição como única forma de constituir família.  Resumindo a ideologia que sobre o tema informou o Código Civil, assim se expressou Clóvis Beviláqua[1]:
A respeitabilidade, com que é cercada a família brasileira, a honestidade de nossas patrícias, os costumes de nosso povo, enfim, não somente dispensam o meio extremo do divórcio, como o tornariam sobremodo nefasto.

1. b.   A Emenda Constitucional n. 09/77 e a Lei n. 6.515/77
Somente em 1977 – pondo fim ao um longo período de inglória luta daqueles que pugnavam pelo divórcio, sob a liderança do senador Nelson Carneiro – é que a Emenda Constitucional n. 09/77, afastando da Constituição o princípio da indissolubilidade do vínculo (consagrado em nossas Cartas Constitucionais desde a de 1934 – artigo 144), veio a introduzir no ordenamento jurídico brasileiro a figura do divórcio.
Em dezembro do mesmo ano, a Lei n. 6.515/77 (“Lei do Divórcio”), regulamentando o dispositivo constitucional, deu nova denominação ao “desquite”, que passou a ser conhecido como “separação judicial”, tendo como finalidade também a exclusiva extinção da sociedade conjugal (pondo fim apenas a alguns deveres matrimoniais, como a coabitação e a fidelidade recíproca – artigo 3º da Lei n. 6.515/77), sem, no entanto, dissolver o casamento (“vínculo matrimonial”), o que só poderia ser alcançado por meio do divórcio.
Assim, embora a tardia inclusão em nosso ordenamento jurídico da figura do divórcio, preservou-se o desquite – rebatizado de “separação judicial” – o que foi justificado como uma “homenagem aos sentimentos religiosos do povo brasileiro” (Exposição de Motivos da Lei n. 6.515/77), ou seja, uma forma de propiciar às pessoas que, por profundas convicções religiosas, não desejassem pôr fim ao casamento um modo de dissolver juridicamente alguns efeitos da união (fidelidade, coabitação e regime matrimonial de bens – conforme artigo 3º da Lei n. 6.515/77), uma vez constatada a inviabilidade da manutenção do relacionamento.
Também motivou a manutenção em nosso direito de um instituto de efeitos reconhecidamente limitados como a separação judicial o ambiente histórico que então permeava a sociedade brasileira. Ou seja, setores conservadores, ligados especialmente à Igreja Católica, temiam que o divórcio viesse a gerar verdadeiro caos na ordem familiar, exigindo, por isso, que um instituto jurídico de efeitos mais limitados fosse mantido.
Preservada que foi a agora denominada “separação judicial”, algumas alterações expressivas foram feitas quanto aos seus fundamentos: (1) introduziu-se o “princípio da ruptura”, como causa de pedir (artigo 5º, parágrafo primeiro, da Lei n. 6.515/77) e (2) foi concedida maior liberdade de interpretação ao operador do direito, na medida em que, abandonando o sistema de “numerus clausus” do antigo artigo 317 do CCB, adotou o legislador a técnica das cláusulas gerais para caracterização da culpa, quais sejam “conduta desonrosa” ou “grave violação dos deveres do casamento” (artigo 5º, “caput”, da Lei n. 6.515/77), em uma ou outra hipótese devendo resultar na insuportabilidade da vida em comum, cumprindo ao intérprete, no caso concreto, dizer se determinado proceder de qualquer dos cônjuges caracterizava ou não uma dessas previsões. Como frisa Yussef Said Cahali[2], em sua clássica obra, o legislador optou nessa lei pelo sistema das
causas facultativas da separação judicial, carregando aos tribunais a responsabilidade de modelar o standard da conduta desonrosa, ou da infração aos deveres conjugais que, pela sua gravidade, torna insuportável a vida em comum dos esposos.
Quanto ao divórcio, foi previsto sob duas modalidades: (1) na forma de conversão da separação judicial (artigo 25), para o que originalmente era exigido o prazo de três anos desta; e (2) como disposição transitória (artigo 40), na forma direta, inicialmente para aqueles casais que completassem cinco anos de separação fática, com início anterior a 28 de junho de 1977 (data da entrada em vigor da Emenda Constitucional n. 09/77).
Na modalidade direta, o parágrafo primeiro do artigo 40 exigia, além da comprovação do tempo de separação fática, também a demonstração da culpa de algum dos cônjuges.
Parte da jurisprudência, reconhecendo a dificuldade de atribuir a culpa pelo fracasso do matrimônio a qualquer dos cônjuges – e constatando a inviabilidade de manter unidos pela lei aqueles a quem a vida já separou –, vinha, mesmo quando fundado o pedido no artigo 5º, “caput”, da lei divorcista, decretando a separação judicial sem declaração de culpa, pela simples constatação da falência do matrimônio.
Exemplo dessa orientação encontra-se nos Embargos Infringentes n. 70001797711, do Quarto Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, onde foi assentado que
Não tem mais justificativa a atribuição da culpa pelo rompimento da vida em comum, quando qualquer conseqüência pode advir desta declaração, bastando, para a decretação da separação, o reconhecimento do fim do vínculo afetivo.
No mesmo sentido foram, entre outras, as Apelações Cíveis n. 598520187, 70000859983 e 70001840289, da mesma Corte.
Importa notar que tais formulações jurisprudenciais não constituíram, por certo, novidade. Ao contrário – evidenciando a dificuldade que os tribunais tradicionalmente enfrentaram para definir, de forma maniqueista, quem teria sido o culpado pelo fracasso do casamento –, a solução de decretar o fim da sociedade conjugal mesmo sem atribuição de culpa já vinha, em um ou outro caso, sendo de há muito apontada pela jurisprudência desde a primeira metade do século XX.
Em contunde crítica a essa orientação – e em defesa da necessidade de apuração da culpa –, Pontes de Miranda, em interessantíssima passagem de sua monumental obra[3], referindo antigos arestos do Tribunal de Justiça de São Paulo (de 1925) e da Corte de Apelação do Distrito Federal (de 1929 e 1933), a censurava, por considerá-la, na perspectiva do direito posto – então na previsão do artigo 317 do Código Civil – atécnica, além de incompatível com a concepção católica do desquite. Disse o Mestre:
A despeito, porém, da clareza da lei, da interpretação que se há de dar a regra jurídica limitativa, como é a do art. 317, insinuou-se na jurisprudência, com audácia que toca às raias mesmas da licença, no sentido de ‘facilitar o desquite’, a prática de se admitir, como fundamento para a decretação do desquite, não ser mais possível, nos termos em que se apresenta à Justiça, a permanência da sociedade conjugal (...). Quase sempre ocorre isso naquelas ações em que os juizes, não encontrando base para julgar procedentes a ação ou procedente a reconvenção, ou procedentes uma e outra, decidem pela improcedência e, tomando a mais absurda das atitudes (pois que, julgada improcedente a ação e improcedente a reconvenção, nenhum provimento cabe aos tribunais), decretam o desquite por impossibilidade da convivência conjugal, ou quejandas fórmulas, que destoam, abertamente, da letra e do sistema do Código Civil, e tomam aspectos escandalosos nos votos de juízes que se dizem católicos. Não está na lei, além de constituírem tais causas criadas a própria linha divisória entre a concepção católica e a concepção luterana ou calvinista do divórcio. (...) Conceder desquite por fundamento que não esteja num dos incisos do art. 317 é violar direito em tese, é violar letra da lei. (grifo meu).

Posicionando-se em outro pólo, o insigne civilista João Baptista Villela (1979) insurgia-se veementemente contra a incorporação desse princípio em nosso ordenamento jurídico, afirmando[4]:
Vício seriíssimo da lei é o de ainda se estruturar sobre o velho e decadente princípio da culpa. A mais significativa evolução, que se processa hoje no mundo em matéria de divórcio, é o abandono do princípio da culpa (Verschuldensprinzip) em favor do princípio da deterioração factual (Zerruttugsprinzip). De um lado, não cabe ao Estado intervir na intimidade do casal para investigar quem é culpado e quem é inocente nesta ou naquela dificuldade supostamente invencível. Depois, haverá algo de mais presunçoso do que se crer capaz de fazê-lo? Dizer quem é culpado e quem não o é, quando se trata de um relacionamento personalíssimo, íntimo e fortemente interativo como é o conjugal, chegaria a ser pedante, se antes disso não fosse sumamente ridículo. Nem os cônjuges, eles próprios, terão muitas vezes a consciência precisa de onde reside a causa de seu malogro, quase sempre envolta na obscuridade que, em maior ou menor grau, impregna todas as relações humanas.
Mais recentemente, refletindo o agora predominante pensamento da moderna doutrina familiarista, assinalou, com acuidade, Lúcio Grassi De Gouveia[5]:
na origem da consideração da culpa como fator preponderante para fixação dos efeitos do divórcio, deve ser considerada a influência da formação cultural judaico-cristã, que associa as atividades humanas à idéia de expiação dos pecados, em que o prazer não é facilmente absorvido desvinculado do elemento culpa (...). Tal forma de pensar influenciou o direito de família em diversos países, expressando-se essa noção de culpa na responsabilização de um cônjuge por não mais querer continuar casado com o outro. Exige-se sacrifício e dor em prol da ‘paz doméstica’, que se transforma gradativamente na mais terrível forma de sofrimento: a convivência forçada com alguém com quem não há mais qualquer vínculo afetivo. O direito à felicidade é colocado em último plano. O cônjuge deve sofrer, pois, já que assumiu o casamento, estará condenado perpetuamente a viver com outro pelo resto da vida. E se conseguir livrar-se do casamento, em um processo árduo, no qual será vasculhada sua vida e devastada sua intimidade (a investigação da culpa propicia isso) não poderá fazê-lo impunemente. Em alguns sistemas jurídicos terá que pagar perdas e danos, alimentos, perderá bens e direitos, em suma, será punido muitas vezes com a ruína econômica. Livra-se de uma pena perpétua mas imediatamente tais sistemas jurídicos lhe asseguram eficazmente outra. Você jamais será feliz! É o que parece querer dizer o juiz que matematicamente calcula o grau de culpa de cada um dos desesperados cônjuges para fixação dos efeitos a serem suportados pelo único ou principal culpado.
Fazendo eco, no plano jurisprudencial, ao crescente prestígio da corrente que se opõe à adoção do princípio da culpa, recentemente (em 12 de dezembro de 2001) o Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aprovou a seguinte conclusão:
Desde que completado o lapso temporal de separação fática exigido para o pedido de separação judicial litigiosa com causa objetiva (art. 5º, par. 1º, Lei n. 6.515/77) ou para o pedido de divórcio (art. 40, L. 6.515/77) descabe postular separação com causa culposa (art. 5º, “caput”, Lei n. 6.515/77), por falta de legítimo interesse. (Maioria).
Na fundamentação, restou assentado que:
A perquirição da culpa como fundamento do pedido de separação judicial (art. 5º, “caput”, da Lei n. 6.515/77) somente se justifica quando não preenchidos os requisitos para a obtenção da separação com causa objetiva ou para o divórcio.  Uma vez estando o casal  já separado de fato por tempo superior a um ano, sem que qualquer dos cônjuges tenha tomado a iniciativa do pedido com base na culpa, resta evidenciado o desinteresse em promover a ação sob tal fundamento, o que retira, até mesmo, legitimidade moral ao autor do pedido para invocar a conduta culposa do réu.  Desta forma, com o decurso do prazo, ficando implementado o requisito para idêntica postulação fundada em causa objetiva, resta inteiramente esvaziada de sentido a pretensão à desconstituição do matrimônio com base na culpa, eis que idêntico resultado poderá ser obtido de forma muito mais singela e menos gravosa para ambas as partes e a possível prole. Por fim, não é demasia lembrar que o entendimento que aqui se propõe é coerente com a tendência que se verifica no Direito de Família – com evidentes reflexos nas reformas da lei divorcista – no sentido da objetivação das causas de pedir da separação e do divórcio, com o conseqüente desprestígio do princípio da culpa, que reconhecidamente não passa de mera ficção jurídica.

1. c.   A Constituição de 1988
Tratando “da família, da criança, do adolescente e do idoso” no Capítulo VII do Título VIII, a Carta de 1988 dispôs sobre o divórcio no parágrafo sexto do artigo 226. Nada versou acerca da separação judicial, com o quê restou inalterado o tratamento dado a esta até então pela Lei n. 6.515/77.
Profundas alterações, entretanto, foram introduzidas pelo texto constitucional no que diz com as hipóteses de divórcio até então contempladas na lei própria.
Mantidas que foram as duas modalidades de divórcio (direto e indireto, ou por conversão), facilitou-se ao extremo sua obtenção.
Primeiro, quanto ao divórcio por conversão da separação judicial, o prazo – que até então era de três anos – passou a ser de apenas um.
Depois, no que diz com o divórcio direto, verdadeira revolução ocorreu, uma vez que deixou de constituir disposição transitória, na forma como era contemplado originalmente no artigo 40 da Lei n. 6.515/77, que exigia prazo de separação fática superior a cinco anos, com início anterior a 28 de junho de 1977 (data da vigência da Emenda Constitucional n. 09/77), passando a ter vigência plena e indeterminada, uma vez que o prazo foi reduzido para dois anos, sem qualquer menção ao “dies a quo”. Ademais, ficou arredada qualquer possibilidade de questionamento da culpa no âmbito do divórcio, restando ab-rogado o parágrafo primeiro do artigo 40, que admitia a verificação da culpa também no divórcio direto.
Tais modificações, implementadas pelo ordenamento constitucional, vieram, posteriormente, a ser introduzidas na lei divorcista pelas Leis n. 7.841, de 17.10.89, e 8.408, de 13.02.92, a primeira alterando a redação do “caput” do artigo 40, e revogando o parágrafo primeiro (hipótese de divórcio direto); e a segunda modificando o artigo 25 (reduzindo o prazo de separação judicial para a obtenção do divórcio por conversão).

2.   O NOVO CODIGO CIVIL

2. a.      Finalmente, após prolongada tramitação legislativa, veio a lume o novo Código Civil Brasileiro (NCCB), anunciado como um diploma legislativo da modernidade.
No âmbito do Direito de Família, não é o que se constata, entretanto. A menos que se tenha como inovação a simples incorporação em lei ordinária de princípios e regras já consagrados há mais de 13 anos, na Constituição Federal de 1988, como a igualdade entre os gêneros, a adoção do estatuto único da filiação e a consagração das uniões fáticas como entidades familiares!
Especificamente no que diz com a temática da separação judicial e do divórcio nenhum avanço significativo ocorreu com o novo Código. Ao contrário: retrocessos houve, para desalento da comunidade jurídica especializada.

2. b.     A dissolução da sociedade conjugal e do casamento está tratada na novel codificação a partir do artigo 1.571 (Capítulo X, Subtítulo I, Título I, Livro IV).

2. c.      Desperdiçou o legislador excelente oportunidade de extinguir o já anacrônico instituto da separação judicial, cuja manutenção em nosso ordenamento jurídico não mais se justifica.  Primeiro, porque é uma “meia solução” para o matrimônio falido, uma vez que não põe fim ao casamento e, por conseqüência, inviabiliza novo consórcio enquanto não formalizado o divórcio. Segundo, porque as razões que levaram à sua manutenção quando da edição da Lei n. 6.515/77 não mais subsistem, considerando que a sociedade brasileira já amadureceu o suficiente para perceber que o divórcio não significou o fim da família, mas, sim, uma solução para as uniões onde pereceu o afeto, condição de subsistência do relacionamento conjugal.

2. d.     Além de manter a figura da separação judicial, o NCCB ainda preservou o princípio da culpa como um de seus fundamentos, quando, a exemplo do que já ocorre com o divórcio, poderia ter se limitado a amparar o pleito separatório apenas na circunstância fática da ruptura da convivência (princípio da ruptura).
Nesse ponto, como antes dissecado, desconheceu o legislador a orientação doutrinária e jurisprudencial mais abalizada.

2. e.      Entretanto, voltando as costas a essa realidade, o NCCB preserva o princípio da culpa na separação judicial. E o faz no artigo 1.572, prevendo as hipóteses em que se dará a separação judicial com fundamento na culpa do outro cônjuge, adotando, inicialmente, formulação semelhante, porém não idêntica, à da Lei n. 6.515/77 (artigo 5º, “caput”).
É que na redação de agora foi suprimida do artigo a figura da “conduta desonrosa”, permanecendo apenas “qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum”.  Por sua vez, a “conduta desonrosa” foi deslocada para o inciso VI do artigo 1.573, como uma das hipóteses que podem ocasionar a “impossibilidade da comunhão de vida”.
Optou o legislador, nesse dispositivo, como se vê, pela formulação genérica da lei divorcista, que, sem dúvida, é mais adequada, por permitir maior liberdade ao intérprete para preencher, no caso concreto, as hipóteses gerais previstas em lei.
Entretanto, logo a seguir, no artigo 1.573 e incisos, retorna à técnica da enunciação – do antigo artigo 317 do Código de 1916 –, agora em formulação meramente exemplificativa, das hipóteses em que poderá restar caracterizada a culpa, e, por conseqüência, a “impossibilidade da comunhão de vida”, e que são: adultério, tentativa de morte, sevícia ou injúria grave, abandono voluntário do lar durante um ano contínuo, condenação por crime infamante e conduta desonrosa. As quatro primeiras hipóteses correspondem exatamente à dicção do antigo artigo 317 do Código de 1916 (apenas com a redução do prazo do abandono do lar de dois para um ano). Como antes destacado, a figura da “conduta desonrosa”, retirada que foi da formulação do artigo 1.572, é reintroduzida aqui como exemplo de proceder que pode levar à impossibilidade da comunhão de vida.
À diferença do Código anterior, entretanto, onde constituíam hipóteses taxativas, agora são meramente exemplificativas (“Podem...”). Ora, se assim o são – não afastando, portanto, a possibilidade de reconhecimento de outras circunstâncias caracterizadoras de culpa – é pertinente indagar a razão que teria levado o legislador a enumerá-las, quando, no artigo antecedente, já havia formulado as causas de pedir culposas de modo genérico. A inconveniência e falta de técnica salta aos olhos!
Não bastasse isso, o parágrafo único do artigo 1.573, surpreendentemente, dispõe que “o juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”. Ou seja, introduz no sistema, de forma absolutamente incoerente com os dispositivos anteriores, uma hipótese de extremada abertura, ensejando, na linha do que já vinha sendo até agora decidido, a viabilidade de ser decretada a separação judicial com fundamento exclusivo na impossibilidade de continuação da vida em comum, pela ausência da “affectio” que constitui a própria razão de ser do relacionamento conjugal.  Certamente por tal senda é que deverá enveredar a jurisprudência, mantendo a tendência, já assinalada, de abstração da culpa.
Melhor teria sido que, espelhando a evolução que se tem observado, sobretudo na jurisprudência, o legislador houvesse se limitado a prever apenas a separação judicial fundada em quaisquer fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum, eliminando a necessidade de apuração de culpas.
Nesse sentido, aliás, foi a proposta (não acolhida, pela Comissão de Redação da Câmara Federal) da Comissão de Acompanhamento do Código Civil, do INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA (IBDFAM), que tivemos a honra de coordenar,  formulada nos seguintes termos:
PROPOSTA: Suprimir o artigo 1.573 e dar ao “caput” do artigo 1.572 a seguinte redação: “Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, com fundamento em fatos que tornem insuportável a vida em comum, independentemente da ocorrência de culpa do outro”.
JUSTIFICATIVA: À parte a lamentável manutenção em nosso sistema do princípio da culpa como fundamento para ensejar separação judicial, tais dispositivos merecem outras considerações de ordem sistêmica.
O artigo 1.572 adota a fórmula genérica das causas culposas que servem de fundamento para o pedido de separação judicial, nos exatos termos do artigo 5º, “caput”, da Lei n. 6.515/77, prevendo, ademais, em seus parágrafos, as hipóteses de separação com causa objetiva e a denominada separação “remédio”, com prazo encurtado para dois anos.
Por outro lado, o artigo 1.573, surpreendentemente – em formulação que lembra o antigo artigo 317 (hoje revogado), do CCB – trata de elencar os motivos que “podem” ensejar a “impossibilidade da vida em comum”. Trata-se, é certo, de hipóteses meramente exemplificativas (“podem”), mas de todo desnecessárias, ante a formulação genérica do artigo anterior.
Ademais, para tornar ainda mais patente a incongruência e desnecessidade desse rol de hipóteses, o parágrafo único do artigo 1.573, em regra que merece encômios, concede, de forma bastante abrangente, ao juiz a possibilidade de “considerar outros fatos, que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”.
Vê-se, assim, que o Projeto não guarda coerência, pois (1) em um primeiro momento, formula hipóteses relativamente abertas (nos moldes da LD); (2) depois, sem qualquer necessidade, exemplifica motivos específicos; e, finalmente, (3) para arrematar, dá total liberdade ao juiz para considerar quaisquer outras causas.
Ou seja, primeiro abre uma janela, depois fecha a janela e, por fim, abre todas as janelas e até mesmo a porta!
Impõe-se, pois, uma melhor sistematização, com a adoção de uma regra única, coerente, e que enseje certa liberdade ao juiz para decretar a separação judicial sempre que ficar evidenciada a impossibilidade da manutenção da sociedade conjugal pela insubsistência da “affectio conjugalis”, com ou sem ocorrência de culpa.

2. f.      Tratando da separação judicial com causa objetiva, o Código repete o que já era previsto na lei divorcista (artigo 5º, parágrafo primeiro), mantendo a possibilidade de fundar-se o pedido de separação judicial na circunstância objetiva na separação fática do casal (parágrafo primeiro do artigo 1.572) durante mais de um ano, sem qualquer indagação acerca da causa que ensejou a dissensão. Nenhuma inovação ocorreu, portanto, neste ponto.

2. g.      Ficou mantida – no parágrafo segundo do artigo 1.572 – a hipótese da denominada “separação remédio”, com fundamento na doença mental do outro cônjuge, que tanta crítica recebeu da doutrina, uma vez que, inegavelmente, ofende o dever de mútua assistência moral (agora contemplado no artigo 1.566, inciso III, do NCCB). Restou, entretanto, encurtado o prazo de duração da doença para a obtenção da separação, que na lei divorcista é de cinco anos, e que agora passa a ser de dois anos.  Os demais requisitos para a caracterização da hipótese, entretanto, foram preservados, a saber: (1) que seja grave a doença mental, (2) que tenha sido manifestada após o casamento, (3) que seja impossível a continuação da vida em comum e (4) que a doença tenha sido reconhecida de cura improvável. A redução do prazo, entretanto, em nada contribui para tornar mais aceitável, na perspectiva ética, a hipótese, cuja utilização, de outro lado, nunca encontrou eco no meio jurídico nacional, o que se constata pela jurisprudência quase inexistente acerca do tema.  Certamente contribui para a pouca utilização desse fundamento não apenas as restrições éticas que encontra, mas a dificuldade de fazer prova de todos os requisitos que a caracterizam.

2. h.      A regra do atual parágrafo terceiro do artigo 5º da lei divorcista é mantida, com pequena alteração, no parágrafo terceiro do artigo 1.572 do novo Código.  Impõe ela uma sanção patrimonial – perda, por parte do autor do pedido, do direito a partilhar os remanescentes dos bens que o réu levou para o casamento, quando adotado o regime da comunhão universal de bens – a quem tiver a iniciativa do pedido de separação judicial.  Na previsão da lei do divórcio, isso se daria quando o pedido tivesse por fundamento a separação fática do casal (“separação falência” –parágrafo primeiro do artigo 5º) ou a doença mental do outro cônjuge (“separação remédio” – parágrafo segundo do artigo 5º).  De acordo com a nova sistemática, a penalização passa a incidir apenas na hipótese de pedido fundado na doença mental do outro cônjuge.  Regra que visa desestimular os pedidos de separação com tais fundamentos (agora limitado apenas a um deles), sempre se mostrou de aplicação muito restrita, e poderia ter sido eliminada do Código.
De qualquer forma, mister reconhecer, sua aplicação apenas à hipótese da “separação remédio” representa singelo avanço.

2. i.       Merece encômios o fato de que o NCCB não reproduziu a denominada “cláusula de dureza”, prevista no artigo 6º da lei divorcista, que possibilitava ao juiz negar a separação, nas hipóteses de “separação falência” e “separação remédio”, quando verificasse que poderia ela “constituir, respectivamente, causa de agravamento das condições pessoais ou da doença do outro cônjuge, ou determinar, em qualquer caso, conseqüências morais de excepcional gravidade para os filhos menores”.
Ocorre que tal previsão era absolutamente irreal, na medida em que o eventual prejuízo que visava evitar não decorreria, por certo, do pedido de separação judicial.  Na hipótese de o casal já se encontrar separado faticamente, a formalização do pedido não iria trazer prejuízo a quem quer que fosse. Ao contrário, na medida em que fossem estabelecidas as regras a serem observadas, melhor resguardados estariam os direitos de todos.  Outrossim, se o pedido fosse calcado na doença mental do outro cônjuge, a manutenção forçada do casamento provavelmente traria muito maior dano ao deficiente do que o pedido de separação.

2. j.       O artigo 1.574 trata da separação judicial consensual, reduzindo o prazo mínimo de casamento – que, pelo artigo 4º da Lei do Divórcio, é de dois anos – para um ano.  É, sem dúvida, inovação que merece ser saudada. Acontece que, sendo possível obter a separação com causa objetiva com um ano de separação fática, situações havia em que o casal preenchia o requisito para levar a efeito a separação litigiosa, por estar separado de fato há mais de um ano, mas não atendia o prazo para separação consensual (que era dois anos de casamento). Assim, mesmo que não houvesse qualquer conflito de interesses entre eles, poderiam ver-se na contingência de simular um pedido litigioso para obter o resultado por ambos desejado. Agora, com a unificação dos prazos em um ano (de casamento ou de separação fática, conforme a hipótese), fica afastada a ocorrência de situações de falso conflito, que eram antes possibilitadas pela lei.

2. l.       O artigo 1.575 dispõe que “a sentença de separação judicial importa a separação de corpos e a partilha de bens(grifo meu).  Parece com isso determinar que, com a separação judicial, proceda-se, desde logo, à partilha.  Tal regra, entretanto, não guarda coerência com o que dispõe o artigo 1.581 (“O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens”), que, na linha do Enunciado 197 da Súmula do STJ, dispensa a partilha em se tratando de divórcio direto. Aliás, o artigo 1.581 vai mais além, uma vez que dispensa a partilha em qualquer das modalidades de divórcio (direto ou por conversão).  Não tem sentido, assim, exigir-se a partilha de bens quando da separação judicial, o que parece evidenciar um “cochilo” do legislador (!) que deverá ser corrigido pela jurisprudência.
Quanto a esse ponto também foi encaminhada, pelo IBDFAM, sugestão à Comissão de Redação da Câmara Federal (afinal não acolhida), nos seguintes termos:
PROPOSTA: Suprimir todo o dispositivo.
JUSTIFICATIVA: Por um lado, o artigo é desnecessário quando afirma que a separação judicial importa a separação de corpos, uma vez que o artigo seguinte (1.576) dispõe que a separação judicial põe termo ao dever de coabitação, o que resulta no mesmo!
Por outro, equivoca-se ao afirmar que a separação judicial acarreta a partilha de bens. Ocorre que não se justifica exigir partilha de bens em separação judicial quando, mais adiante, o artigo 1.581 claramente a dispensa no divórcio, o que constitui um paradoxo!  Ademais, o artigo 1.576 corretamente dispõe que “A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens”, o que significa, simplesmente, a não comunicação dos bens adquiridos a partir desse momento, mas não determina a realização da partilha, que poderá ser feita, como enseja o artigo 1.581, até mesmo depois do divórcio.
O artigo em exame, pois, é absolutamente desnecessário, contradiz dispositivo posterior (artigo 1.581) e é equivocado em seu sentido.

2. m.     O artigo 1.577 – na linha do que dispõe o artigo 46 da Lei n. 6.515/77 – autoriza o restabelecimento da sociedade conjugal pelos cônjuges que estejam judicialmente separados, respeitados os direitos de terceiros, de acordo com o comando do parágrafo único.  Entretanto, restou suprimida do novo dispositivo a restrição constante do anterior, qual seja a de que o restabelecimento ocorra “nos termos em que fora constituída”.  E é lógica a supressão ocorrida.
Ocorre que a referência anterior aos “termos em que fora constituída” a sociedade conjugal decorria da obrigatória manutenção do regime de bens, que desfrutava da característica da irrevogabilidade emprestada pelo artigo 230 do antigo Código.  Com o novo Código, entretanto, consagrou-se a possibilidade de alteração do regime de bens no curso do casamento (artigo 1.639, parágrafo segundo), o que reflete na circunstância de que, quando do restabelecimento da sociedade conjugal, poderão, eventualmente, os cônjuges optar pela adoção de regime de bens diverso.

2. n.      O parágrafo único do artigo 1.579 (“Novo casamento de qualquer dos pais, ou de ambos, não poderá importar restrições aos direitos e deveres previstos neste artigo”) contém omissão, uma vez que deixa de referir expressamente que a união estável de qualquer dos pais também não acarreta restrições aos direitos e deveres em relação aos filhos. É evidente que deve ser compreendida a união estável também nessa hipótese, uma vez que não teria qualquer sentido que a formação fática de nova família por qualquer dos pais pudesse gerar efeitos que a formação jurídica, pelo casamento, não acarreta.

2. o.     Tratando do divórcio por conversão, o artigo 1.580 apresenta uma redação (“Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio”) que peca pela falta de clareza.  É evidente que a conversão de separação em divórcio pressupõe a prévia separação judicial. Entretanto, a dicção isolada do dispositivo – numa interpretação meramente gramatical, é certo – possibilita o entendimento de que seria viável converter a separação de corpos em divórcio.  Felizmente a dubiedade resta afastada pelo parágrafo primeiro, que não deixa margem à dúvida no sentido de que a conversão de que se trata é sempre de separação judicial em divórcio.

2. p.     Inovou salutarmente o NCCB ao afastar, no caso de conversão da separação judicial em divórcio, a exigência adicional (artigo 36, parágrafo único, inc. II, da Lei do Divórcio) de que o autor do pedido estivesse em dia com obrigações anteriormente assumidas, o que já vinha sendo tido como inconstitucional pela melhor doutrina[6], no entendimento de que o dispositivo da lei divorcista não foi recepcionado pelo artigo 226, parágrafo sexto, da Constituição Federal, cuja única exigência para o deferimento da conversão é o preenchimento do prazo de um ano de separação judicial. Assim também já se manifestara a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por sua Sétima Câmara Cível[7]:
DIVÓRCIO POR CONVERSÃO. DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES ASSUMIDAS AO ENSEJO DA SEPARAÇÃO JUDICIAL. DERROGAÇÃO DO INC. II, PARÁGRAFO ÚNICO, DO ART. 36, DA LEI 6.515/77. Derrogado o inciso II do art. 36, da lei 6.515/77, pelo art. 226, parágrafo 6º, da CF, o descumprimento das obrigações assumidas ao ensejo da separação judicial não mais representa óbice à sua conversão em divórcio. Negaram provimento, por maioria.

2. q.     O divórcio direto mantém-se no parágrafo segundo do artigo 1.580 na forma como se encontra na Lei n. 6.515/77 (artigo 40), exigindo unicamente o preenchimento do lapso temporal de dois anos de separação fática, tanto em sua forma litigiosa quanto consensual.  Apenas baseado no “princípio da ruptura”, portanto, não se mostrando pertinente qualquer questionamento acerca da culpa.

2. r.      Como antes salientado, o artigo 1.581, na linha do que já fora consagrado, quanto ao divórcio direto, pelo Enunciado 197 da Súmula do STJ, dispensa a partilha de bens em qualquer das modalidades de divórcio. Assim, não é mais exigível a partilha mesmo no divórcio por conversão, o que vinha ocorrendo com fundamento nos artigos 31 e 43 da lei divorcista.

2. s.      Em regra que abrange tanto a separação judicial quanto o divórcio, o artigo 1.584 (“Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la”) manda que seja atendido o melhor interesse da criança, desvinculando a guarda dos filhos de qualquer consideração quanto à culpa.
É, sem dúvida, salutar o dispositivo, que se harmoniza, aliás, com a doutrina da proteção integral, consagrada no artigo 227 da Constituição Federal. Merece registro que mesmo sob a égide da lei divorcista que, na separação judicial com causa culposa (artigo 5º, “caput”, da Lei n. 6.515/77), em princípio vinculava a guarda do menor à culpa do genitor (artigo 10), a jurisprudência já vinha efetuando a aplicação da doutrina do melhor interesse da criança, invocando como fundamento, além do regramento constitucional, uma interpretação mais liberal do artigo 13 da Lei n. 6.515/77 que, de exceção que era, passou à condição de regra.
Agora, o artigo 1.584, na linha de torrencial jurisprudência, expressamente determina que se observe, em qualquer hipótese, sempre aquilo que melhor consultar o interesse dos filhos.

2. t.      O artigo 1.578 inova, ao trazer para o âmbito da separação judicial com fundamento em culpa (“sanção”) a regra relativa ao nome, que hoje se aplica ao divórcio (artigo 25, parágrafo único, da Lei n. 6.515/77).
A primeira novidade aqui está no que se relaciona ao fato de que – na medida em que agora qualquer dos cônjuges poderá acrescer aos seus o patronímico do outro (artigo 1.565, parágrafo primeiro)[8] – tanto o homem quanto a mulher poderão, quando culpados, sofrer a sanção relativa à perda do direito ao uso do sobrenome do outro.
A segunda decorre de que as hipóteses de manutenção do sobrenome do cônjuge (mesmo no caso de culpa reconhecida), que, pela lei divorcista, incidem quando do divórcio, passam agora a serem aplicadas ao ensejo da separação judicial com causa culposa.
A terceira consiste em que, ao contrário do que ocorre no sistema da lei divorcista (onde perda do direito ao uso do sobrenome pela mulher é conseqüência necessária da declaração de culpa – artigo 17) a sanção passa a admitir exceções, que reproduzem as hipóteses do artigo 25 da Lei do Divórcio, a saber: (1) evidente prejuízo para a sua identificação; (2) manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; (3) dano grave reconhecido na decisão judicial[9].
Quanto às demais modalidades de separação judicial – ou seja: a forma consensual e as formas litigiosas com fundamento em causa objetiva e na doença mental do outro cônjuge – o parágrafo segundo do artigo 1.578 determina que “caberá a opção pela conservação do nome de casado”. Assim, deixou de existir o apenamento imposto à mulher pelo artigo 17, parágrafo primeiro, da Lei n. 6.515/77, que determinava que, sendo dela a iniciativa do pedido com fundamento em causa objetiva ou na doença mental do varão, deveria voltar a usar o nome de solteira.

2. u.      Inovação de relevo há quanto ao tema alimentar. Pela sistemática da Lei n. 6.515/77, em se tratando de separação judicial fundada em culpa, o artigo 19 impõe apenas ao culpado o encargo de prestar alimentos ao inocente, caso este necessite. Em decorrência, doutrina e jurisprudência têm uniformemente afirmado que o cônjuge reconhecido culpado pela separação perde o direito a alimentos.
O NCCB trata dos alimentos a partir do artigo 1.694, e o faz englobando a obrigação tanto proveniente do parentesco como originária do casamento e da união estável. O artigo 1.702, tratando da obrigação alimentar na separação judicial, condiciona, inicialmente, seu surgimento à circunstância de ser o cônjuge “inocente” e “desprovido de recursos”. Idêntica regra (em desnecessária redundância) situa-se no “caput” do artigo 1.704. Portanto, sempre que não caracterizada a culpa, cabível será a estipulação de alimentos.
Entretanto – e aí se situa a inovação – a partir de agora mesmo o culpado poderá ser contemplado com alimentos.  Dispõe o parágrafo único do artigo 1.704: “Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência”.
Duas, portanto, são as condições para que o culpado possa habilitar-se a receber alimentos do inocente: (1) não ter aptidão para o trabalho e (2) não ter parentes em condições de prestá-los.  Não, portanto, basta que o cônjuge culpado necessite dos alimentos. É necessário, além disso, que não tenha parentes (ascendentes, descendentes ou irmãos) em condições de prestá-los.  Caso os tenha, deverá pedir os alimentos a esses parentes, não podendo, nestas condições, direcionar sua pretensão contra o cônjuge “inocente”.
Assim, a condição de “culpado” ou de “inocente” refletirá na própria ordem de precedência da obrigação alimentar entre cônjuges.  Isto é: se culpado, o parente precede o cônjuge; se inocente, o cônjuge precede o parente.
Não fica aí, porém, a inovação relativa aos alimentos em razão do casamento.  Ocorre que, preenchendo o cônjuge as condições postas em lei para que possa postular os alimentos, estes, na hipótese de ser o alimentado considerado culpado pela separação, serão fixados pelo juiz no montante estritamente “indispensável à sobrevivência” (artigo 1.704, parágrafo único).
Em contrapartida, ao cônjuge que não for considerado culpado pela separação (ou seja, o “inocente”) bastará provar sua necessidade (decorrente do fato de não possuir aptidão para o trabalho) e a possibilidade do potencial prestador para habilitar-se a receber pensão alimentícia. Não fica, nesta hipótese, obrigado a demonstrar que não possui parentes em condições de prestá-los.  E mais: o valor dos alimentos deverá corresponder ao que for necessário à preservação do padrão de vida que desfrutava durante o casamento, e não fica adstrito ao mínimo indispensável à sobrevivência.  É o que decorre do artigo 1.694, que estatui que os alimentos, como regra, devem corresponder ao que for necessário “para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”.
Em se tratando de divórcio direto, onde não cabe perquirição de culpa – baseando-se exclusivamente no princípio da ruptura (artigo 1.580, parágrafo segundo) – os alimentos serão devidos desde que reste caracterizado exclusivamente o binômio possibilidade-necessidade (artigo 1.695), descabendo qualquer outra averiguação. E, por decorrência, sempre deverão corresponder ao que for necessário à preservação do padrão de vida do beneficiário (artigo 1.694).
No caso de divórcio por conversão da separação judicial (artigo 1.580, “caput”), manter-se-á, quanto aos alimentos, o que houver sido estipulado ao ensejo da separação judicial.
Importantíssima é a regra do artigo 1.707, que explicita que o direito aos alimentos é indisponível.  É certo que tal característica da obrigação alimentar já existia no Código anterior (artigo 404). Porém, a jurisprudência mais recente vinha entendendo que indisponíveis eram apenas os alimentos decorrentes do parentesco, não os que eram devidos em razão do casamento[10]. De há muito superada, por sinal, inclusive no STJ, o Enunciado 379 da Súmula do STF, que espelhava entendimento diverso.
Isso porque o Código de 1916, a partir do artigo 396, regrava exclusivamente a obrigação alimentar decorrente do parentesco, e nesse contexto estava inserida a regra do artigo 404. Entretanto, o NCCB, a partir do artigo 1.694, dispõe acerca dos alimentos devidos tanto em razão do parentesco como do casamento e da união estável.  Assim, a regra da indisponibilidade aplica-se agora, em princípio, a todo direito alimentar, independentemente de sua origem (parentesco, casamento ou união estável).
Evidente a inconveniência dessa disposição, no que diz respeito ao casamento e à união estável.  É que, em se tratando de direito patrimonial, e ainda mais tendo em conta que o casamento (assim como a união estável, é claro) trata-se de um vínculo que há muito não mais desfruta da característica da indissolubilidade, injustificável que a ele se associe a geração de um direito indisponível!  Ademais, como destaca Silvio Rodrigues[11] é sabido que muitas vezes a obtenção de um acordo de separação ou divórcio consensual exige determinadas concessões recíprocas. Nesse contexto, a renúncia aos alimentos é manifestada em troca de outras vantagens patrimoniais. Agora, com a impossibilidade de dispor dos alimentos estendida também aos cônjuges, a margem de negociação de acordos restará significativamente restringida.

2. v.      Derradeira indagação cabe formular quanto à possível vigência de alguns dispositivos da Lei n. 6.515/77 mesmo após a entrada em vigor do novo Código.
Ocorre que o artigo 2.045 do NCCB (em obediência ao que dispõe o artigo 9º da Lei Complementar n. 95/98), ao enumerar expressamente as leis que revoga, refere apenas a Lei n. 3.071/16 (atual CCB) e a Primeira Parte do Código Comercial, Lei n. 556, de 25 de junho de 1.850.  Portanto toda legislação extravagante na parte em que não colidir com o que dispõe o NCCB, ou que tratar de matéria por ele não regulamentada, continuará em vigor (artigo 2º, parágrafo primeiro, do Decreto-Lei n. 4.657/42).  No caso da lei divorcista, há que observar que contém, além de normas de direito material (inteiramente versadas no NCCB), também dispositivos de natureza processual, que tratam dos diferentes procedimentos da separação judicial e do divórcio.  E tais regras (artigos 34-37; parágrafo segundo do artigo 40; e artigos 47-48), sem dúvida, permanecem em vigor.

3.   O  PL  6.960/02
Estes comentários já se estavam finalizados quando, em junho de 2002, foi apresentado, pelo Deputado Ricardo Fiúza, o Projeto de Lei n. 6960/02, que dá nova redação a diversos dispositivos do NCCB,  inclusive no tema que aqui nos ocupa.
No dizer o eminente proponente, em sua justificação : “cumpre esclarecer que o presente projeto não por objetivo a reforma do Código Civil, o que seria uma contradição, já que exercemos a relatoria geral do projeto 634/75, que deu origem à Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Na verdade, o que se pretende com a presente proposta é a complementação de alguns dispositivos, cuja modificação não foi possível fazer anteriormente, face aos impedimentos regimentais já longamente expostos, quando da votação final do PL 634”.
Como se vê, a finalidade do projeto apresenta-se, em certa medida, restrita, embora tenha, em alguns tópicos, extrapolado essa limitada ambição.  
No que diz  com o objeto deste trabalho, o PL 6960 propõe alterações aos artigos  1.573, 1.574, 1.575, 1.576, 1.581, 1.583, 1.586 e 1.589.   Embora inserido no subtítulo III, que trata dos alimentos, merece relevo, por sua pertinência  à separação e ao divórcio, a modificação proposta ao art. 1.707. Por fim, impõe-se referir a nova redação que é proposta para o art. 2.045.
 
                                                                                                                   

3. OBSERVAÇÕES CONCLUSIVAS
Vê-se que o NCCB, na parte do Direito de Família, e em especial na matéria de que aqui nos ocupamos, efetivamente não espelha toda a evolução jurisprudencial ocorrida nos últimos anos.
Renova-se, entretanto, a esperança de que o trabalho conjunto da doutrina e da jurisprudência permita, no tempo futuro, construir em torno do novo diploma que brevemente entrará em vigor, e em especial na matéria de que aqui nos ocupamos, interpretações construtivas que ensejem a superação das deficiências existentes, continuando a erigir um Direito de Família que, ao invés de entravar, contribua para facilitar a solução dos conflitos que ocorrem no âmbito da entidade familiar e que, muitas vezes, apontam como única alternativa a dissolução do matrimônio.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de Família. 7. ed. Rio de Janeiro : RIO, [s. d.].
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e Separação. 8. ed. São Paulo : RT, 1995, t. 2.
GOUVEIA, Lúcio Grassi. A culpa como fator para fixação dos efeitos do divórcio.  Revista da ESMAPE, v. 5., n. 12.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A Sexualidade vista pelos Tribunais. 2. ed. Belo Horizonte : Del Rey, 2001.
PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. 4. ed. São Paulo : RT, 1983, t. VIII.
RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. São Paulo : Saraiva, 1993, v. VI.


(*) Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Professor na Escola Superior da Magistratura do RS e na Escola Superior do Ministério Público do RS.
[1] BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de Família.  7. ed. Rio de Janeiro : Rio, [s. d.],  p. 286-287.
[2] CAHALI, Yussef Said. Divórcio e Separação. 8. ed. São Paulo : RT, 1995, v. 1, p. 60.
[3] PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado.  4. ed. São Paulo : RT, 1983, v. VIII, p. 44-45.
[4] VILELLA, João Baptista. Apud PEREIRA, Rodrigo da Cunha, in A Sexualidade vista pelos Tribunais. 2. ed. Belo Horizonte : Del Rey, 2001, p. 225.
[5] GOUVEIA, Lúcio Grassi de. A Culpa como Fator para Fixação dos Efeitos do Divórcio. REVISTA DA ESMAPE, v. 5, n. 12, pp. 505-506.
[6] CAHALI, Yussef Said. Divórcio e Separação. 8. ed. São Paulo : RT, 1995, v. 2, p. 1.196 e segs.
[7] APC nº 599314689, Sétima Câmara Cível, TJRS, Relator Des. José Carlos Teixeira Giorgis, julgada em 23/06/99.
[8] Vemos com alguma reserva a possibilidade de o homem adotar o sobrenome da mulher, apresentada como consagração do princípio da igualdade entre os gêneros (artigo 5º, inciso I, e artigo 226, parágrafo quinto, da Constituição Federal). O Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM encaminhou proposta no sentido de suprimir o dispositivo que abre tal possibilidade (artigo 1.565, parágrafo primeiro), com o quê não mais seria possível a qualquer dos cônjuges (homem ou mulher) a adoção do sobrenome do outro, o que entendemos como a verdadeira expressão da igualdade constitucional. Na fundamentação da proposta, ficou dito:
Tal regra tem sido comemorada, por muitos, como a consagração, no matrimônio, do princípio da igualdade. O princípio constitucional da igualdade dos cônjuges, entretanto, deve, ao inverso, extinguir a possibilidade de qualquer deles agregar ao seu sobrenome o do parceiro; e não permitir que o varão assuma o sobrenome da mulher! Para tanto cremos que já está suficientemente amadurecida a sociedade brasileira.
A possibilidade aberta pela regra em comento, aparentemente igualitária, não encontra qualquer justificativa histórica, ao contrário do que acontece com a que permite à mulher somar aos seus os apelidos de família do marido, cujas origens remontam à antiga Roma, onde, com o casamento, havia, por parte da mulher, o abandono de sua família de origem e a integração à do marido, como tão bem noticia FOUSTEL DE COULANGES (in “A Cidade Antiga”).
Igualmente no plano dos costumes, evidencia-se que resultará em uma regra praticamente sem uso, uma vez que, em nosso meio, não há qualquer tradição que a recepcione.
A possibilidade de o homem assumir o nome de família da esposa servirá somente aos mal intencionados, que poderão utilizar-se do permissivo legal para melhor engendrar seus ilícitos, para o quê contarão com a possibilidade de, a qualquer tempo, casando, vir a alterar seu nome.”
[9] Há duas decisões do Tribunal de Justiça do RS que, sob a égide da Lei do Divórcio, deram por inconstitucional a regra que impõe à mulher o retorno ao uso do nome de solteira quando da conversão da separação judicial em divórcio. A saber: (1) “NOME. CONVERSÃO DA SEPARAÇÃO EM DIVÓRCIO. Não perde a mulher o direito de continuar usando o nome que adotou com o casamento. Trata-se de atributo de personalidade, direito personalíssimo cuja decisão só cabe à mulher, revelando-se inconstitucional o parágrafo único do art. 25 da Lei do Divórcio. Apelo provido, com declaração de voto” (APC nº 70002262731, Sétima Câmara Cível, rel. Desa. Maria Berenice Dias, julgada em 05.09.2001); (2) “NOME. DIREITO DE PERSONALIDADE. Sendo o nome um dos atributos da personalidade, de todo descabido determinar à mulher o retorno ao nome de solteira, quando da conversão da separação ao divórcio, se esta não é a sua vontade. Apelo provido” (APC nº 70002607984, Sétima Câmara Cível, rel. Desa. Maria Berenice Dias, julgada em 30.05.2001).
[10] A jurisprudência do STJ – inobstante o Enunciado 379 da Súmula do STF – é pacífica no sentido de que os alimentos devidos em razão do casamento não desfrutam da característica da indisponibilidade.  Assim, entre inúmeros outros, vale referir os seguintes julgados recentes:  1) REsp 70.630/SP (Quarta Turma – rel. Min. Aldir Passarinho Júnior) ; 2) REsp 254.392/MT (Quarta Turma – rel. Min. César Asfor Rocha); 3) REsp 221.216/MG (Terceira Turma – rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito); 4) RHC 11.690/DF (Terceira Turma – rel. Min. Nancy Andrighi).
Assim também se posiciona a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, do que é exemplo o seguinte aresto: “ALIMENTOS. RENÚNCIA OU DISPENSA EM DIVÓRCIO. IMPOSSIBILIDADE DE NOVO PEDIDO. O divórcio rompe, salvante expressas exceções, todos os vínculos entre os ex-cônjuges. Inaplicabilidade da Súmula 379. O dever de assistência, somente persiste quando as partes o convencionam no acordo do divórcio, ou nos casos do artigo 26, da Lei n. 6515/77. Se a ex-esposa não fez atuar o direito a alimentos enquanto cônjuge, e se tal direito não foi ressalvado expressamente no acordo de divórcio, após desfeito o casamento já não cabe sequer indagar da ocorrência de renúncia ou dispensa. Carência de ação por parte da ex-esposa para pedir alimentos ao ex-marido. Apelação improvida.” (Apelação Cível nº 599276409, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 10/06/99).
Na doutrina, conserva atualidade a lição de Sílvio Rodrigues: “Em primeiro lugar, há que se ter em vista que o acordo havido em processo de desquite por mútuo consentimento é negócio jurídico bilateral, que se aperfeiçoa pela conjunção da vontade livre e consciente de duas pessoas maiores. Se as partes são maiores, se foi obedecida a forma prescrita em lei e não foi demonstrada a existência de vício de vontade, aquele negócio deve gerar todos os efeitos almejados pelas partes, valendo, assim, a renúncia aos alimentos por parte da mulher. Ademais, o acordo no desquite se apresenta como um todo, em que cada cônjuge dá sua concordância, tendo em vista as cláusulas básicas que o compõem. É possível que se o marido soubesse que havia de ser compelido a sustentar sua  ex-esposa não concordaria em subscrever a petição de desquite; afinal, o desquite é um distrato, que tira sua seiva da vontade das partes.  Em segundo lugar, porque, homologado o acordo de desquite, desaparece o dever de mútua assistência entre os cônjuges, não havendo mais razão para impor-se ao homem o dever de sustentar sua ex-mulher” (in RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. 18. ed. São Paulo : Saraiva, 1993, vol. VI, p. 228).
[11] RODRIGUES, Sílvio. Idem ibidem.

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